Homenagem a Dom Melhado

A Igreja Católica de Sorocaba celebra hoje (29.11) o centenário de nascimento de Dom José Melhado Campos, seu segundo bispo, sucessor imediato de Dom José Aguirre.  E o fazemos no contexto do Ano Sacerdotal, instituído pelo papa, Bento XVI, na comemoração dos 150 anos do “Die Natalis” – entrada na glória – de São João Maria Vianney, o Santo Cura D’Ars, modelo de pároco e patrono do clero.  Lendo seu escrito -“Memórias de Sorocaba”- encontrei entre suas inúmeras e valiosas reflexões, uma que resume o que foi sua vida de homem de Deus entregue ao pastoreio para o qual Deus o chamou. Ei-la: “Muitos são os bons propósitos que fizemos e não conseguimos cumprir. Ao menos um, porém, de fundamental importância, temos posto em prática durante toda a nossa vida de padre e bispo. Fizemo-lo quando nos preparávamos para receber a sagrada ordem do subdiaconato, passo decisivo para a vida sacerdotal: ‘SEMPRE OBEDECER’.” E continua Dom Melhado: “Temos em mãos, já amarelecido pelo tempo, o caderno com as anotações que fizemos em 15 de dezembro de 1933, oito meses antes de nossa ordenação sacerdotal, no fervor de nossos 24 anos: Como a vontade dos Superiores é a expressão da vontade de Deus, procuramos seguir em uma obediência cega as decisões de nossos superiores seguindo em tudo esta regra de ouro: ‘NADA PEDIR E NADA RECUSAR’ (O homem obediente cantará vitórias – Prov 21,28)” Seu lema “Cum Matre Jesu” confirma de modo definitivo e insuperável sua disposição de sempre fazer a vontade de Deus.

Seu lema nos faz pensar que Dom Melhado, ao se preparar para a ordenação episcopal, se recolheu no cenáculo de seu coração, como os apóstolos se agruparam, após a ascensão, no cenáculo da última ceia, a ceia também do lava-pés, com as mulheres e com Maria, mãe de Jesus, em latim “cum mulieribus, et Maria Matre Jesu”(At 1,14). Com certeza trazia ele no coração as palavras de Jesus, ditas do alto da Cruz: “Mulher, eis aí teu filho”e depois, dirigindo-se ao discípulo: “eis aí tua mãe”(Jo 26,27). “Cum Matre Jesu” significava, com toda a certeza, o desejo de fazer de seu episcopado a radicalização do seu lema de sacerdote “sempre obedecer”. Dias mais difíceis o esperavam conforme ele nos conta em “Memórias de Sorocaba”: “Devo confessar e não é segredo para ninguém, que estes catorze anos e oito meses de pastoreio em Sorocaba, particularmente os dez primeiros anos, foram duramente penosos e me provocaram um desgaste físico, psíquico e moral que supera todos os outros 35 anos de ministério sacerdotal”. Mas, afinal em que consiste a obediência? Não será ela uma abdicação estúpida da própria liberdade?  Não. A obediência é o cerne da fé: ouvir e deixar a Palavra tomar conta da própria vida, como o fez Maria: “eis aqui a serva do senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”(Lc 1,38). Não há alegria maior do que ser portador do Verbo de Deus. E se o caminho se torna difícil, não menor é a alegria do discípulo que ouve a palavra e a põe em prática.

A vontade de Deus se manifesta nos acontecimentos, lidos à luz da palavra de Deus. Quando Jesus assumiu a Cruz, injustamente colocada sobre seus ombros, Ele tinha consciência de ser vítima de uma injustiça, mas, ao mesmo tempo, morava-lhe na alma a absoluta certeza de que oferecer sua vida por nós, pecadores, era a vontade de seu Pai que amara o mundo ao ponto de enviá-lo como Salvador. Exclama São Paulo: Cristo”, tendo se esvaziado a si mesmo “fez-se obediente até a morte e morte de Cruz”(Cf. Filip 2,1-11). Os males que se abatem sobre nós, as calúnias, as ordens injustas que nos são impostas, a doença e a própria morte, não são determinação positiva de Deus, mas com certeza, é vontade de Deus que nós assumamos todas essas experiências e as transformemos em hóstias de amor. É o que nos ensina Maria ao pé da Cruz. Ela fora ungida pelo Espírito para co-oferecer-se com Cristo pela nossa salvação. Dom Melhado aguardou sua ordenação episcopal “Cum Matre Jesu”e soube, como ela o fez, oferecer sua vida pela Igreja e, muito especialmente como Bispo de Sorocaba.

Obrigado Dom Melhado! Colho, como seu sucessor, os frutos de suas labutas. Não vivo as turbulências de seu tempo. Vivo outras, também poderosas, mas não tanto quanto aquelas. Seu exemplo me anima e sua herança sustenta o caminho da Igreja de Sorocaba. Permita-me fazer uma pequena correção na sua palavra de despedida quando, deixando o governo da Diocese, o senhor, tendo como referência sua saída de Lorena, disse: “Hoje, porém, a despedida é diferente. Não é preciso partir, nem me esperam outras ovelhas. É uma despedida mais fácil para mim e mais benéfica para vós. Continuarei a viver convosco e para vós, até a chamada do Pai’. Não, Dom Melhado, o senhor continua a viver conosco, ainda mais intensamente, hoje, depois da chamada do Pai. Novamente, muito obrigado!.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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