Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
“A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade” (S. Leão Magno, Papa).
Dentro de poucos dias iniciaremos a Semana Maior da Igreja, a Semana Santa: momento de acompanhar Jesus nos passos de sua paixão, morte e Ressurreição. Quis a providência Divina que neste ano de 2021, dias antes de iniciarmos a semana santa, que celebrássemos a solenidade da Anunciação do Senhor! Contemplar no “sim” de Maria toda a epopeia dos “sins” da história da Salvação. E, ao mesmo tempo, o grande mistério da encarnação. Estamos a 9 meses do Natal.
Temos um momento privilegiado de contemplar a generosidade de Deus e a generosidade humana. Contemplamos a generosidade de Deus ao assumir a nossa natureza humana e se fazer em todo semelhante aos homens por meio da Encarnação. Contemplamos também a generosidade de Deus ao fazer-se obediente até à morte e morte de cruz, como veremos na semana santa. O mistério do amor de Deus por nós não deixa de nos surpreender e nos fazer querer mudar de vida! A conversão é exatamente isso: mudar de vida para que vivamos como alguém que é amado infinitamente, dignos dessa abundância de amor.
Nesta solenidade, também temos a oportunidade de contemplar a generosidade humana ante os planos de Deus na figura da Virgem Maria, que com seu Fiat, faça-se, torna-se portadora da salvação para a humanidade.
Generosidade de Deus e generosidade do ser humano são realidades que serão manifestas para nós na Palavra de Deus que será proclamada na Liturgia deste dia.
Na primeira Leitura (Is 7,10-14) lemos que Deus faz uma promessa ao governador reinante, falando de um sinal que marcará a história do povo de Israel: Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal: Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel, porque Deus está conosco. Deus vai se fazer presente em meio ao seu povo, de forma única e irrepetível, por meio de uma virgem. O mistério da Encarnação do Verbo é exatamente esse: mistério de Deus que armou sua tenda em nosso meio, assumiu em tudo a nossa natureza humana, tomando a carne do seio de Maria.
O Salmo responsorial, salmo 39, fala de um servo que agrada Deus por sua obediência mais que pelos supostos sacrifícios que possa oferecer. O catecismo da Igreja Católica (2824) expressa a grandeza da obediência de Cristo manifesta no salmo: Foi em Cristo e pela sua vontade humana que a vontade do Pai se cumpriu perfeitamente e duma vez para sempre. Ao entrar neste mundo, Jesus disse: «Eu venho, […] ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb 10, 7). Só Jesus pode dizer: «Faço sempre o que é do seu agrado» (Jo 8, 29). Na oração da sua agonia, Ele conforma-Se totalmente com esta vontade: «Não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42). Eis por que Jesus «Se entregou pelos nossos pecados […] consoante a vontade de Deus» (Gl 1, 4). «Em virtude dessa mesma vontade é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de Jesus Cristo » (Heb 10, 10).
A segunda leitura, (Hb 10,4-10), é uma releitura do salmo proclamado anteriormente, onde o autor da Carta identifica em Jesus e em seu sacrifício redentor a obra de reconciliação da humanidade: Por isso, ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Por isso eu disse: Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade”. Depois de dizer: “Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado” coisas oferecidas segundo a Lei – ele acrescenta: “Eu vim para fazer a tua vontade”. Com isso, suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo. É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas.
O centro da liturgia da Palavra está no Evangelho (Lc 1,26-38), onde encontramos detalhadamente o fato que dá nome à nossa solenidade: O anjo que anuncia uma mensagem divina à Virgem Maria, serva fiel e obediente (que será sempre recordada nos momentos do ângelus – 6, 12, 18 horas – todos os dias, anunciando que Deus que habita em meio ao seu povo pois se encarnou no seio da Virgem Maria. Ainda sobre este mistério o Catecismo da Igreja Católica no n. 458 assim se expressa: O Verbo fez-Se carne, para que assim conhecêssemos o amor de Deus: «Assim se manifestou o amor de Deus para conosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que vivamos por Ele» (I Jo 4, 9). «Porque Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). O Verbo fez-Se carne, para ser o nosso modelo de santidade: «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim […]» (Mt 11, 29). «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 6). E o Pai, na montanha da Transfiguração, ordena: «Escutai-o» (Mc 9, 7) (81). De fato, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da Lei nova: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12). Este amor implica a oferta efetiva de nós mesmos, no seu seguimento. O Verbo fez-Se carne, para nos tornar «participantes da natureza divina» (2 Pe 1, 4): «Pois foi por essa razão que o Verbo Se fez homem, e o Filho de Deus Se fez Filho do Homem: foi para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a adoção divina, se tornasse filho de Deus». «Porque o Filho de Deus fez-Se homem, para nos fazer deuses». – O Filho Unigénito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses».
Nestes dias em que nos dispomos a celebrar o mistério Pascal, olhemos de forma especial para a Virgem Maria, serva fiel e obediente, disponível aos planos de Deus até estar aos pés da cruz. Que ela nos acompanhe neste final da caminhada quaresmal. Que ela nos olhe em nossas necessidades e olhe em especial para todos aqueles que padecem por doenças e enfermidades, especialmente nestes tempos de pandemia. Que jamais deixemos que a dor nos faça esquecer do quanto o Amor de Deus supera a todas as tribulações que podemos encontrar pelo caminho. Que atualizemos o “sim” dos patriarcas, profetas, santos inspirados no “sim” de Maria, de José e de Jesus. Eis o nosso caminho!
