Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)
O evangelho é a boa nova do Reino de Deus anunciado por Jesus aos discípulos e a todo o povo que acorria a ele, para ouvi-lo com fé com amor e perceber as suas curas, expulsões de demônios nas pessoas e ressurreição de mortos. O evangelho vem da palavra grega euangélion cujo significado refere-se aos quatro primeiros livros do NT, considerados canônicos, acolhidos nos cânones da Bíblia, mas também coloca a mensagem de redenção trazida pelo Senhor Jesus Cristo, o anúncio no mundo, da sua pessoa[1]. O evangelho necessita de acolhimento em nossa vida de seguidores e de seguidoras do Senhor. O evangelista Mateus afirmou que “Jesus percorria todas as cidades e os povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando o evangelho do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade” (Mt 9, 35). Nós percebemos que o evangelho era acompanhando na atividade de Jesus pela cura das doenças e das enfermidades. Nós analisamos estes dados nos primeiros escritores do cristianismo, os padres da Igreja.
A palavra evangélica inspira a vida da comunidade
Tertuliano, padre dos séculos II e III tinha presente que a palavra do Senhor inspirou a vida da comunidade. Os cristãos vivam unidos na comunidade, seguindo a palavra de Deus, constituindo um só organismo, nutrindo-se da sabedoria de uma só fé, de uma única disciplina, de um vinculo forte de esperança e de caridade. Pela palavra de Deus os cristãos rezavam pelas autoridades em vista da conservação da ordem e da paz no mundo e para retardar a morte do universo. Pelo afeto fraterno entre os cristãos que vinha da palavra do evangelho de Jesus Cristo as pessoas não cristãs diziam aos seguidores do Senhor, “veja, eles dizem, como se amam entre eles”[2]. A palavra evangélica dava forças ao povo do Senhor em vista do amor fraterno.
A pregação apostólica feita por pessoas simples
Orígenes, padre dos séculos II e III afirmou que os apóstolos ensinaram o cristianismo às pessoas simples, anunciando-lhes a palavra de Deus. O autor alexandrino disse que eles não possuíam nem eloqüência natural, nem ordenação de sua mensagem conforme os procedimentos dialéticos e retórico dos gregos, que poderiam seduzir os seus ouvintes. Mas Jesus contou com aquelas pessoas, os discípulos, pois disse a eles para o seguirem, pois fariam deles pescadores de homens (cfr. Mt 4,19). A pregação do evangelho foi anunciada aos seres humanos com o poder de Deus, em Jesus Cristo. A voz dos apóstolos de Jesus aparece por toda a terra e suas palavras até os confins do mundo (cfr. Sl 18,5)[3].
Santo Irineu de Lyon, bispo, dos séculos II e III disse que a nossa fé é bem fundada pela tradição da pregação, isto é pelo testemunho dos apóstolos. Esses foram enviados pelo Senhor e eles pregaram pelo mundo inteiro que o Filho de Deus passou pela Paixão, morte e ressuscitou dos mortos, destruindo desta forma a morte[4]
O poder de pregar o evangelho
Santo Irineu também disse que o Senhor de todas as coisas deu aos seus apóstolos o poder de pregar o Evangelho e por meio deles as pessoas conheceram a verdade, isto é, o ensinamento do Filho de Deus[5]. O bispo de Lião afirmou que os evangelhos são quatro em ligação também com as quatro regiões do mundo em que vivemos. O Senhor que está acima de todas as coisas, nos deu um evangelho quadriforme, sustentado por um único Espírito. Ireneu teve presentes quatro figuras que são imagem da atividade do Filho de Deus. O evangelista Marcos vem carregado com o animal semelhante ao leão caracterizando o poder, a supremacia e a realeza do Senhor; o evangelista Lucas tem presente o novilho, manifestando a sua destinação ao sacrifício, ao sacerdócio; o evangelista Mateus tem rosto semelhante a homem, o que lembra claramente a sua vinda em forma humana; e o evangelista João assemelha-se à águia, que voa, sinal do dom do Espírito que sopra sobre a Igreja[6].
O evangelho anunciado por pessoas simples
São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla dos séculos IV e V dizia que o evangelho foi anunciado por pescadores, perseguidos, flagelados, expostos por todo o perigo. Todavia foi acolhido com o máximo respeito, seja da parte dos estudiosos seja da parte dos menos sábios, pelos homens livres como pelos escravos, pelos soldados e pelos príncipes, pelos gregos e pelos povos bárbaros[7].
A força do evangelho
Ainda em São João Crisóstomo, o bispo colocou a figura do apóstolo Paulo como aquele que teve a força de anunciar o evangelho. Ele não se envergonhava do Evangelho (cfr. Rm 1,16). Os romanos eram tomados das coisas deste mundo, como os poderes, as vitórias, de seus governantes e de seus imperadores. A esses o apóstolo Paulo teve que anunciar Jesus, retido como o filho do carpinteiro, crescido na Judéia, na casa de uma humilde mulher, Maria, Jesus não tinha pessoas que o protegiam, pois foi colocado entre ladrões e morreu pela salvação de todos. Desta forma São Paulo afirmou que não iria se envergonhar do Evangelho de Cristo, do contrario as pessoas deveriam se gloriar porque na cruz estava aquele que fechou a boca aos demônios e curou muitos doentes, porque Jesus é o poder de Deus pela salvação (cfr. Rm 1,16)[8].
O evangelho leva à conversão de vida
Santo Agostinho, bispo de Hipona dos séculos IV e V disse que diante do evangelho a pessoa leva à conversão de vida das pessoas ou ao seu fechamento. Ele tinha presente o caso de Donato que foi bispo donatista e ficou fora da unidade da Igreja. No entanto o Evangelho é a palavra de Jesus Cristo que visa à conversão, à volta para Deus, para os outros, sempre num clima de caridade. É impossível ser cristão ficando fora da unidade do Senhor, ponto que vem da palavra evangélica que ilumina as pessoas para ser acolhida, amada e anunciada para as pessoas e para os povos[9].
O evangelho de Jesus Cristo é graça de Deus, porque nós temos a palavra de Jesus Cristo, o enviado do Pai, pelo Espírito Santo e é também responsabilidade humana, para ser acolhido, amado na família, na comunidade e na sociedade, visando sempre à conversão das pessoas e dos povos. Ainda hoje a palavra do evangelho sofre obstáculos e perseguições mas ela deve morar no coração em vista da vida plena.
[1] Cfr. Vangèlo. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pgs. 1866-1867.
[2] Cfr. Tertulliano, Apologetico, XXXIX, 1-7, a cura di A. Resta Barrile. Bologna, Oscar Mondadori, 2004 Oscar Mondadori, Bologna, 2005, pg. 137-139.
[3] Cfr. Orígenes, Contra Celso, 1, 62. São Paulo, Paulus, 2004, pgs. 107-108.
[4] Cfr. Irineu de Lyon, Demonstração da pregação apostólica, 86. São Paulo, Paulus, 2014, pg. 129.
[5] Cfr. Ireneu de Lião, III,1. São Paulo, Paulus, 1995, pg. 246.
[6] Cfr. Idem, III,11,8, pg. 283.
[7] Cfr. Giovanni Crisostomo, Commento al Vangelo di San Matteo, 1,4-5. In: La teologia dei padri, v. 4. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 213.
[8] Cfr. Idem, Commento alla lettera ai Romani, 3,6, pgs 214-215.
[9] Cfr. Il Combattimento cristiano, 30,31. In:Opere di Sant`Agostino. Morale e Ascetismo cristiano. Nuova Biblioteca agostiniana. Città Nuova Editrice, Roma, 2001, pgs. 117-118.
