Dom João Mamede
Bispo de Umuarama (PR)
(Especial aos meus Irmãos Bispos)
Um dia visitei Auschwitz, o campo de concentração onde morreu, entre tantos, São Maximiliano Kolbe, Frade Franciscano Conventual, fundador da Milícia da Imaculada, movimento cujo lema é “conquistar o mundo todo a Cristo por Maria”.
Na ocasião, era quase verão, com mais três frades, percorríamos a Polônia numa viagem muito alegre, inclusive porque víamos os campos onde há pouco havia sido colhido o trigo, cheios de rolos da palha que se usa para o gado, no inverno. Contava-se muitos chistes e circunstâncias engraçadas da vida de frade. Ao meio-dia chegamos a Auschwitz e lá permanecemos por duas horas. Aquela tarde ninguém mais riu, e quase nem conseguiu falar, tamanho foi o tranco que produziu em nós aqueles espaços e edificações medonhas, onde perderam vida quase seis milhões de seres humanos. A pergunta silenciosa era: como aquilo foi possível? E uma conclusão: São Maximiliano é que jogava a última cartada. A definitiva. Nós, geralmente estamos rasos, tareando nos primeiros passos. Talvez o tempo de pandemia tenha nos aproximado um pouco daquele contexto dramático. Durante a segunda Guerra Mundial e hoje, cada um ter que dar sentido à própria vida mesmo e sem saber onde e como tudo vai acabar, sem ver horizontes, sem poder terceirizar a questão. Kolbe respondeu em primeira pessoa com um gesto de solidariedade ao dar a vida por um pai de família naquelas circunstâncias.
Já naquele entonces tive notícia de que foi juntado numa coletânea tudo o que São Maximiliano Kolbe escreveu: artigos de jornal, conferências, estudos, cartas respondidas. Um grande material, uma preciosidade para conhecer a vida desse mártir. Agora, com alegria, a Milícia da Imaculada, em coedição com a Paulus, lançou o volume de mais de 2200 páginas em nossa língua de tudo o que foi possível reunir dos escritos de São Maximiliano Kolbe. Estou seguro que será fonte de inspiração, de formação e de alimento para a Espiritualidade Cristã.
A mó de aperitivo, resumo uma das cartas: Frei Maximiliano criou o maior jornal da Polônia de então. Nele, inclusive, respondia cartas de assinantes. Certa vez alguém lhe escreve: “A vida cristã é tanta coisa: rezar, ler a bíblia, dar esmola, ir à missa, catequizar os filhos … eu me perco no meio de tudo isso. Há algo que possa ser dito o essencial?” E o frei responde: “Sim. Há. E o essencial é viver o ordinário extraordinariamente!”. Falei dessa carta muitíssimas vezes em homilias. Ordinário é o que a gente tem que fazer todo dia. A dona de casa, por exemplo, tem que cozinhar, lavar louça, varrer. O motorista de caminhão tem que limpar o para-brisa, verificar os pneus…etc. Agora, extraordinariamente. Com alguma pitada de brilho especial. Ao fazer ontem o ordinário, descobriu um miligrama de modo de fazê-lo melhor e aplica isso hoje. Quem varre a casa hoje do mesmíssimo modo que varreu ontem, está ficando máquina, virando robô. Robô é que faz de novo o mesmo. Por exemplo, a máquina de fazer copos de plástico: aperta-se o botão e ela lança mais 50, do mesmo jeitinho dos anteriores. Robô faz de novo o velho, o mesmo. Cristão faz de novo, o novo! Falei isso a um confrade japonês idoso e ele me comentou: “O que faz a gente capaz disso, ‘de fazer de novo, novo’, e a Eucaristia”. Amém.
