Dom Lindomar Rocha
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Pirandello disse, certa vez, que é próprio da natureza humana, lamentavelmente, sentir necessidade de culpar os outros dos nossos desastres e das nossas desventuras. É por isso que misturamos tantas questões, na esperança de encobrir a facticidade de que não resolvemos nenhuma.
A desventura das mortes pela COVID tornou-se escândalo quando começamos a multiplicar os óbitos por cinco mil, cinquenta, cem… até chegarmos aos 600. Agora, a natureza humana se encarrega de pensar, aliás, só pensa quem sobreviveu, de que a coisa não foi tão ruim assim e outros problemas são mais urgentes.
A discussão de política internacional, ordem mundial, comunismo e outras parecidas, que não são, para nós, importantes ou cogentes, tomam parte do ideário da nação, escamoteando a necessidade metodológica de resolver primeiro os problemas da vida quotidiana.
O exemplo de Jesus nos é imperativo. A preocupação do Mestre sempre foi escassa pelo império romano, e, mesmo quando os fariseus tentaram puxá-lo para a disputa, perguntando se era justo ou não pagar imposto a César (Mt 22,15-21), Jesus demonstrou pouco ou quase nenhum interesse pela questão.
O stablishment do mundo é qualquer coisa de fático, mas a sorte daqueles que estão perto é palpável, e precisa ser resolvida.
Por outro lado, Jesus sempre se mostrou profundamente envolvido no combate às injustiças comuns do povo. Na maioria praticada por intermediários judeus que se tornavam carrascos do seu próprio povo, aproveitando-se da autoridade que tinham para obterem largas vantagens. Há, da parte de Jesus, uma repulsa constante contra essa atitude, tanto que recomenda aos seus discípulos: entre vocês não deve ser assim.
O foco de Jesus está na comunidade judaica, com bem faz ver jesuíta indiano Amaladoss, e não em questões internacionais. O cristianismo é anunciado como religião na qual os membros se amam, perdoam-se e cuidam uns dos outros. As questões reais, portanto, são as questões do próximo.
Embates intermináveis, que infelizmente continuam, nos fizeram perder o foco para as dificuldades presentes e futuras oriundas da pandemia, e agora nos fazem desfocar a falta de rumo e de estratégias para o enfrentamento da fome que se alastra, as crianças que sofrem e a esperança que decai.
Tentar eliminar os parâmetros que medem a nossa capacidade de lidar com os infortúnios é improdutivo e atribuir culpa às questões que impediram a tragédia de se tornar catástrofe, como a exigência do distanciamento social, é, no mínimo, inquietante.
Num debate desta natureza quem sai sacrificada é a verdade. As vezes nos falta paciência para a verdade, mas em todo caso, assim como Pilatos, que embora não tivesse se detido sobre ela, logo intuiu que Jesus era inocente, também nós intuímos que ela está em outro lugar. Mas, intuir não é se comprometer.
Urgente, portanto, é o comprometimento com o que a nossa natureza nos revela, pois a natureza humana é limitada, ela suporta a alegria, a tristeza, a dor… até certo ponto, se ultrapassa ela irá sucumbir, como disse, certa vez, Goethe.
