Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
Esta noite, nas nossas igrejas e nas nossas casas, vamos celebrar o Natal. O Filho de Deus nasce para nós. Vamos celebrar uma vinda cheia de ternura, de alegria, de amor. Jesus vem ao mundo da forma como cada ser humano começa a sua existência. É formado no ventre virginal da jovem de Nazaré, prometida em casamento a José, envolvida pela presença do Espírito Santo, coberta pelo poder do Altíssimo com sua sombra (cf. Lc 1,35), para que conceba o Filho de Deus, o Verbo feito carne. Milagre, evento sobrenatural, a escolha de Deus manifesta a proximidade por excelência da Transcendência com a imanência do homem, uma proximidade mais profunda do que a nossa própria intimidade. Evento de amor, ação benevolente, da livre iniciativa de Deus que, por amor imenso, antes mesmo de existir a reação nossa, vem ao nosso encontro.
Sem entrar em discussões teológicas que já não são problemas, podemos dizer: sim, ele vem para perdoar nossos pecados. Isso é atestado pelos escritos sagrados do Novo Testamento, especialmente quando fala da morte de Cristo na cruz. Mas, eis que o Filho de Deus se encarna para mostrar aos homens e às mulheres o que significa ser criado à imagem e semelhança de Deus. Um ensinamento do Concílio Vaticano II ilumina esse entendimento: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e lhe descobre a sua vocação sublime… Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n’Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem” (CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, n. 22). Ele vem para revelar a verdadeira face de Deus e do homem. Assim, no Natal, celebramos o sentido mais profundo do ser humano no reconhecimento da ação pela qual Deus se faz o que somos.
Esse é ensinamento vindo dos Padres da Igreja, autores dos sete ou oito primeiros séculos da era cristã. Neles encontramos esse dito: “Ele, Cristo, tornou-se o que nós somos para que nós pudéssemos ser o que Ele é”. Esses escritores chamavam essa ação de “admirável intercâmbio”, pois sustentavam que para isso Deus criou o homem: para que o homem entrasse na vida mesma de Deus. Um grande teólogo e cientista católico do século XX, o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) afirmava: “em virtude da poderosa Encarnação do Verbo, nossa alma está totalmente devotada ao Cristo, centrada nele” (TEILHARD DE CHARDIN. O Meio divino, p. 25. Vozes, Petrópolis, 2010).
Somos em Cristo, essa é a nossa vocação, pois fomos criados para essa realidade. Consequentemente, o pecado não revela o mais profundo do nosso ser. Embora, tenhamos que reconhecer: pecamos, porque somos finitos. Mas, a nossa finitude em si não é devotada ao pecado, mas sim a Cristo, o revelador do Pai e da nossa condição. Tornando-se Homem, Cristo assume a condição finita, a condição de servo como afirma São Paulo (cf. Fl 2,6-11), e Ele vive essa condição não como uma maldição, mas como um ato de amor. Assim é o espirito do Natal: celebramos a alegria da revelação do amor, revelação da ternura divina, a única força que destrói o pecado.
Nesse espirito desejo a todos um Feliz Natal. Que o Menino de Belém traga paz e alegria e esperança para acreditar no grande projeto de Deus: uma humanidade renovada e cheia de amor, porque marcada pelo Filho de Deus, amado pelo Pai e no qual somos também amados.
								
								