Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Vocação é chamar alguém pelo nome e, biblicamente, designa eleição para uma missão ou função determinada. Ao chamado, corresponde uma resposta livre e decidida. Somente há resposta quando se escuta o chamado. O homem bíblico se descobre na relação com o Deus que chama. Assim, ocorreu com Moisés diante da sarça ardente, ao receber a missão confiada por Javé, isto é, de libertar o povo da escravidão no Egito. Diante da chamada, Moisés responde: “Quem sou eu para ir ao Faraó e fazer sair do Egito os israelitas?” (Ex 3,11). Moisés se questiona sobre sua identidade e condição. Igualmente o profeta Jeremias, ao se sentir chamado, reclama: “Ah, Senhor Iahweh, eis que não sei falar, porque sou ainda criança.” (Jr 1,6). Também Pedro exclama diante de Jesus: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador.” (Lc 5,8).
O chamado exige que o vocacionado, consciente de seus limites, torne-se um novo homem, e isso o atinge de forma tão profunda que lhe exige que revise toda sua existência. A vocação é tão alta que alguns chegam a mudar o nome, para que a conversão seja radical. Abrão se torna Abraão; Jacó vem a ser Israel; Simão, filho de Jonas, se torna Pedro, e Saulo passa a ser Paulo. Semelhante situação ocorre no Batismo cristão que evidencia essa mudança mediante a morte do homem velho que, sepultado em Cristo, sai, ressuscitado das águas, um novo homem.
A nova condição do ser humano, que se encontra com o Deus único e verdadeiro, é possível pela ação direta daquele que chama. Assim, à questão de Moisés titubeando em aceitar a missão, Deus responde: “Eu estarei contigo!” (Ex 3,12). No original hebraico, o “eu estarei” pode ser compreendido também como “eu serei”, uma alusão direta ao nome de Iahweh que significa: “Eu sou aquele que sou.” (v. 14). Isso possibilita compreender que, diante da pergunta: “Quem sou eu?”, não há uma resposta. O ser humano só se autocompreende no contexto de sua relação com seu Criador. A criatura foi vocacionada à vida, mas precisa, livremente, responder ao convite de levar à plenitude essa existência.
Vocacionado à comunhão com seu Criador, o ser humano é livre para responder ao chamado. Quando essa relação é rejeitada, a pessoa perde-se a si mesma. Como no relato genesíaco quando Adão e Eva, seduzidos pelo tentador, distorcem sua relação com Deus, com as pessoas e com as coisas. Tornam-se prisioneiros do labirinto de sua cisão com o Criador.
O ser humano, criado à imagem e semelhança de seu Criador, encontra a maior nitidez dessa imagem em Jesus Cristo. Não foi o velho Adão que serviu de protótipo para o novo, mas o novo Adão, Cristo. No Novo Testamento, a resposta à pergunta: “Quem é o ser humano?”, é dada em Jesus Cristo, especialmente em sua Paixão, quando é apresentado como o Ecce homo [Eis o homem]. Aquele que fora chagado, torturado e crucificado é a imagem do homem perfeito; é o amor que não tem limites nem fronteiras. O que pode escandalizar todos os tempos é o fato de que o humanismo cristão se fundamenta no homem das dores: o “Crucificado”.
