Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Desde o surgimento da Teoria da Evolução, no século XIX, muitos se perguntam: é possível ser cristão e aceitar a evolução? A fé e a ciência se contradizem nesse ponto? A resposta da Igreja Católica é clara e serena: não há oposição entre crer em Deus criador e reconhecer os processos evolutivos da vida.
A tradição cristã sempre afirmou que Deus é o Criador de tudo. Essa verdade continua inabalável. No entanto, o modo como a criação acontece tem sido, ao longo da história, cada vez mais compreendido à luz das descobertas científicas. Hoje, sabemos que o universo tem cerca de 13,8 bilhões de anos, que a vida na Terra surgiu há bilhões de anos, e que a humanidade passou por um longo processo de desenvolvimento biológico e cultural.
A contribuição da Teoria da Evolução
A Teoria da Evolução — especialmente a partir de Charles Darwin — propôs que as espécies vivas se transformam ao longo do tempo, por meio da seleção natural, das mutações genéticas e de outros fatores. Essa teoria não explica a origem da vida em si, mas descreve como ela se diversificou e se organizou. Para a fé católica, o essencial é afirmar que toda vida tem origem em Deus. O Papa Pio XII, na encíclica Humani Generis (1950), já reconhecia que a evolução poderia ser aceita, desde que se compreendesse que a alma humana é criada diretamente por Deus. E São João Paulo II, em 1996, afirmou que a evolução “é mais do que uma hipótese”, reconhecendo seu valor como explicação científica.
Fé e razão não se excluem
O Concílio Vaticano II também trouxe contribuições valiosas. Em Gaudium et Spes, declarou que as ciências têm sua autonomia e que, quando usadas corretamente, não se opõem à fé. Afinal, fé e razão têm a mesma origem divina, e, quando dialogam, se enriquecem mutuamente.
É necessário, contudo, distinguir entre evolução como processo científico e evolucionismo materialista, que nega qualquer presença de Deus e reduz tudo ao acaso. A Igreja não aceita essa visão reducionista. Pelo contrário, a fé cristã reconhece na ordem, na beleza e na complexidade do universo sinais de um Criador amoroso. O chamado “princípio antrópico” reforça essa percepção: se as leis da física tivessem mínimas alterações, a vida não existiria. Essa harmonia nos leva a perguntar: por que o universo é tão precisamente ajustado para a vida?
Criação contínua e ação divina
Para a teologia católica, a criação é um ato livre e amoroso de Deus. E mesmo que ela se realize por meio de longos processos naturais, isso não diminui a ação divina. Pelo contrário: mostra um Deus que não impõe, mas acompanha com paciência e sabedoria o desenrolar da vida. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Deus é o Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis” (n. 290). Ele quis que o mundo fosse autônomo e, ao mesmo tempo, aberto à sua presença.
O ser humano, coroamento da criação, é chamado a participar dessa obra divina, cuidando da Terra e de todos os seres vivos. Essa responsabilidade é expressão do amor de Deus e do nosso chamado a viver em comunhão com toda a criação.
Ciência e fé: duas janelas para o mistério
Hoje, a ciência e a fé podem caminhar juntas. Enquanto a ciência investiga o “como” das coisas, a fé ilumina o “porquê” da existência. A Igreja não teme a ciência — valoriza-a como dom de Deus. E os cientistas, quando buscam honestamente a verdade, aproximam-se, ainda que inconscientemente, do próprio Criador.
Em tempos de tantas crises ambientais, redescobrir que o mundo é criação de Deus nos convida a uma responsabilidade ecológica. Cuidar da natureza é honrar o dom recebido e a presença amorosa do Criador em tudo que existe. O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, retoma essa visão com força: a Terra é nossa casa comum, e devemos cuidar dela com amor e responsabilidade.
Criados por amor, para o amor
Criação e evolução, portanto, não são ideias opostas. São caminhos diferentes — e complementares — para contemplar o mistério da vida. A ciência nos ajuda a entender os processos. A fé nos revela o sentido: fomos criados por amor, e para o amor. Nesse encontro de saberes, descobrimos que o universo inteiro, em sua grandeza e beleza, é sinal de Deus que nos convida à comunhão e ao cuidado.
