Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
Chamas devoram matas e florestas. infelizmente, é o que acontece com certa frequência, especialmente em períodos de grande estiagem. Em regiões do semiárido, os riscos são maiores. A vegetação fica tão seca que se torna praticamente inflamável. Viajando para as visitas pastorais, nos vales do Jequitinhonha, contemplo, com tristeza no olhar, tamanha sequidão, mais parecendo uma “terra ardendo, qual fogueira de São João”, como ficou imortalizado na canção de Luiz Gonzaga. E continuo a perguntar “a Deus do céu, por que tamanha judiação”.
A polêmica Chapada do Lagoão teve boa parte de sua vegetação devorada pelas chamas, no dia 17 de agosto, por um incêndio de grandes proporções. Não se sabe quantas vidas silvestres foram ceifadas… Há suspeitas de que o incêndio tenha tido motivação humana, portanto, criminoso. Trata-se de matéria que está sendo investigada. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, o local “constitui um patrimônio ambiental de valor inestimável” e abriga muitas nascentes catalogadas, sendo essencial para a manutenção da biodiversidade, para o abastecimento humano e para as comunidades quilombolas ali existentes.
A Chapada do Lagoão já teve sua área amputada, sendo que uma das justificativas foi a melhor proteção ambiental. Ao invés de cobrar medidas do Poder Executivo, como brigada anti-incêndio e outras medidas para melhor cuidar da Área de Proteção Ambiental, houve quem se pusesse a indagar: “onde que anda (sic!) aqueles defensores que teve (sic!) aqui pra defender a APA? Num (sic!) vi ninguém reivindicando, pedindo ajuda…”. Foi preciso a lucidez da sensibilidade feminina para esclarecer que aqueles defensores da APA não têm condições de “levar balde com aguinha” para debelar um incêndio que até o Corpo de Bombeiros teve dificuldades para apagar.
Lamentamos profundamente as vidas perdidas por essas chamas: fauna e flora. Deus teve misericórdia que não houve vítimas humanas. Louvado seja Deus! Parabenizamos os agentes do Corpo de Bombeiros e residentes da área, que agiram com todo esforço para que o prejuízo não fosse maior. Sendo constatado ato criminoso, que as pessoas responsáveis sejam punidas de acordo com a lei. Repudiamos, veementemente, pessoas tendenciosas que quiseram tratar esse terrível acontecimento com polêmicas ideológicas, insinuando omissão por parte dos defensores da APA Chapada do Lagoão.
Somos todos responsáveis por cuidar da Casa Comum. O Papa Leão XIV, dirigindo-se, por telegrama, aos Bispos da Pan-Amazônia, no encontro realizado em Bogotá, na Colômbia, de 18 a 20 de agosto, tratou do “direito e o dever de cuidar da ‘casa’ que Deus Pai nos confiou como administradores solícitos, de modo que ninguém destrua irresponsavelmente os bens naturais que falam da bondade e beleza do Criador”. A palavra do Papa é clara no sentido de que somos cuidadores e não destruidores da Casa Comum, que é a obra da Criação.
Muitas chamas se viu sendo espalhadas nas redes sociais, através de interpretações tendenciosas da frase que se seguiu na mesma mensagem do Papa “nem, muito menos, se submeta a eles como escravo ou adorador da natureza, pois as coisas nos foram dadas para alcançarmos o nosso objetivo de louvar a Deus e, assim, obter a salvação de nossas almas”. Cabe aqui uma hermenêutica, já que a frase seguiu interpretação tendenciosa, como se houvesse uma ruptura do Magistério sobre o cuidado com a Ecologia Integral.
Bruno, SJ, (Pe. Bruno Franguelli) explicou, nas redes sociais, o sentido da frase acima, pronunciada pelo Papa que já apresentou diversos pronunciamentos sobre sua continuidade com a Doutrina Social da Igreja que se refere ao cuidado com a Casa Comum: “Neste sentido, a idolatria acontece quando o ser humano é ferido na sua dignidade e obrigado à servidão imposta pela lógica da exploração irresponsável da natureza. A submissão acontece quando o homem e a mulher são considerados inferiores à criação, e submetidos aos mesquinhos interesses dos adoradores das riquezas naturais e de seus recursos”.
Pedimos a Nossa Senhora da Lapa, Protetora e Rainha dos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Rio Pardo, que nos proteja dos incêndios e nos ajude a cuidar da Casa Comum. Seja ela nossa protetora contra pessoas tendenciosas capazes de distorcer a palavra do Papa e prontas para difamar quem luta pela defesa do Meio Ambiente. Sigamos todos com coragem para defender o Mundo Criado, com a responsabilidade de sermos cuidadores da obra divina.
