A justiça de Deus e o perigo da indiferença

Dom Antonio Carlos Rossi Keller
Bispo de Frederico Westphalen

 

O 26º Domingo Comum do Ano Litúrgico C nos convida a uma profunda reflexão sobre a justiça divina, o uso responsável dos bens materiais e o perigo mortal da indiferença diante do sofrimento do próximo.

O tema central é claro: a vida eterna não se conquista com riquezas e apegos, mas com o amor concreto a Deus e ao próximo, especialmente aos mais humildes e pobres. A Palavra de Deus nos alerta: a indiferença diante da dor alheia é uma escolha espiritualmente fatal. Não basta “não fazer mal”; é preciso fazer o bem, agir com compaixão, sair de si mesmo.

Na 1.a Leitura (Amós 6,1a.4-7), o profeta Amós, voz incômoda no século VIII a.C., dirige-se às elites de Israel e Judá, mergulhadas em luxo e autoindulgência, enquanto ignoram a ruína moral e social do povo. Ele denuncia os que “repousam em leitos de marfim”, “comem cordeiros e bezerros”, “bebem vinho em taças” e “ungem-se com os melhores perfumes” — mas “não se afligem pela ruína de José”, ou seja, pela destruição do povo de Deus.

Amós não condena a riqueza em si, mas o seu uso egoísta e descompromissado. A indiferença é aqui apresentada como pecado grave: fechar os olhos ao sofrimento coletivo enquanto se vive na opulência é provocar o juízo de Deus. A advertência é severa: “Eles serão os primeiros a ir para o exílio.”

Na 2.a Leitura (1 Timóteo 6,11-16), o trecho da Primeira Carta a Timóteo é um apelo à vida virtuosa e à fidelidade ao Evangelho. O autor exorta Timóteo — e, por extensão, a todos nós, cristãos — a fugir da cobiça e a buscar “a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a mansidão”. É um convite à luta espiritual: “o bom combate da fé”.

A passagem termina com uma bela doxologia que exalta Cristo como “Rei dos reis e Senhor dos senhores”, que “habita uma luz inacessível”. O contraste é intencional: enquanto os ricos de Amós vivem na escuridão moral, o cristão é chamado a caminhar na luz de Cristo, vivendo com integridade e esperança.

O Evangelho (Lucas 16,19-31) traz a famosa parábola do rico e Lázaro. Jesus não nomeia o rico — símbolo de sua insignificância diante de Deus —, mas nomeia o pobre: Lázaro, que significa “Deus ajuda”. O rico vive no luxo, vestido de púrpura e linho fino; Lázaro, coberto de chagas, deitado à sua porta, desejando somente as migalhas da mesa.

Após a morte, os papéis se invertem: Lázaro é levado ao colo de Abraão; o rico, aos tormentos. A cena do diálogo entre o rico e Abraão é crucial: o rico não é condenado por crimes hediondos, mas por omissão. Ele viu Lázaro todos os dias… e nada fez.

A recusa de Abraão em mandar Lázaro alertar os irmãos do rico é a chave da parábola: “Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam”. Ou seja, a Palavra de Deus já é suficiente para converter. Quem fecha os olhos à miséria do próximo, fecha também os ouvidos à voz de Deus.

Três indicações de como viver na prática a Mensagem deste Domingo:

1. Desenvolver o olhar compassivo — ver o “Lázaro” à nossa porta:
O primeiro passo é abrir os olhos. Quantos “Lázaros” passam despercebidos em nosso cotidiano? O mendigo na esquina, o colega solitário, o idoso abandonado, o colega de classe, o pai ou a mãe, nosso irmão, a família em crise no bairro… A indiferença começa quando deixamos de ver. Pratiquemos o olhar atento: parar, cumprimentar, perguntar, oferecer ajuda — mesmo que pequena. Um gesto de reconhecimento já é um começo de conversão.

2. Reavaliar o uso dos bens materiais — partilhar com generosidade:
A riqueza não é pecado, mas sua posse egoísta é. Façamos um exame de consciência: quanto do que tenho é usado para mim? Quanto é partilhado? É preciso estabelecer metas concretas: doar parte do que sobra, apoiar iniciativas sociais, reduzir desperdícios, consumir com ética, não criar necessidades. Lembremo-nos: os bens são empréstimos de Deus para o bem comum.

3. Escutar a Palavra de Deus como critério de vida — e agir conforme ela:
O rico da parábola tinha acesso à Lei e aos Profetas, mas não os deixou transformar sua vida. Temos a Palavra de Deus plenamente revelada em Cristo. Ler a Bíblia não basta; é preciso deixá-la interpelar, converter e mobilizar. Perguntemo-nos diante de cada texto: “O que Deus quer que eu faça a partir desta Palavra?” E, então, ação. A fé sem obras é morta — e a caridade sem ação é ilusão.

O 26º Domingo Comum nos confronta com uma pergunta decisiva: estamos construindo pontes de compaixão ou muros de indiferença? A liturgia deste dia não nos deixa escapar: Deus se revela no rosto do pobre, e o amor ao próximo é o termômetro da nossa fé. Que possamos, como discípulos de Cristo, viver com os pés no chão da realidade, o coração aberto à dor do irmão e as mãos generosas na partilha. Pois só assim estaremos do lado de Lázaro — e não do rico — quando as cortinas da eternidade se abrirem.

“Não se trata de fazer grandes coisas, mas de fazer com amor as pequenas coisas que estão ao nosso alcance.” — Santa Teresa de Calcutá

Tags:

leia também