Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
No próximo domingo, boa parte do povo brasileiro celebrará a festa de Nossa Senhora Aparecida. Não é sinal de boa fé transformar essa festa num confronto entre as igrejas cristãs. Não se trata de exaltar a virgindade e a santidade de Maria, nem a veracidade das aparições marianas, mas de extrair lições, como o fazemos com tantas histórias e fábulas.
Inspiro-me na bela reflexão do Papa Francisco, durante sua estadia no Brasil, em julho de 2013. Ele disse que, no evento Aparecida, Deus nos dá uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir, que é a humildade e a solidariedade. Por isso, no evento Aparecida há algo de perene a aprender sobre o mistério de Deus e da Igreja.
No início de tudo temos a busca de um grupo de pescadores pobres. Eles partem, com seus meios frágeis e insuficientes, em busca de sobrevivência. O resultado foi pequeno, mas um raio de luz brilhou por debaixo da porta trancada: uma imagem de barro envelhecida pelo tempo e escurecida pelas águas turvas. Deus se revela na pequenez!
Num Brasil dividido entre brancos livres e escravos negros, a imagem emerge fraturada, primeiro o corpo, depois a cabeça. O corpo negro recobra a unidade pelas mãos dos pescadores. Pela mãe de Jesus, Deus quer recompor um Brasil dividido e violento, desfazer muros, construir pontes, diminuir desigualdades, erradicar violências.
Aqueles humildes pescadores não descartaram a inesperada imagem que apareceu na rede. Eles esperaram o que faltava, peregrinaram na esperança. Aqui, a lição é acolher os pequenos pedaços do mistério de Deus e do sentido da vida sem querer tudo de uma vez. “A paciência tudo alcança”, dizia Santa Teresa. A plenitude pode estar no futuro!
Os pescadores levaram a misteriosa imagem para suas casas e a cobriram e aqueceram com vestes simples e belas, com o manto da própria fé. Na casa dos pobres, Deus sempre encontra um lugar! O Mistério pede para ser acolhido e aquecido em nosso coração para, em seguida, irradiar o calor e a força que tanto necessitamos: a sua graça inesgotável.
Lentamente, a imagem resgatada das águas e protegida pela fé simples e generosa começa a atrair gente. Deus é sempre encanto que atrai, e a missão nasce dessa fascinação pela beleza, pela simplicidade, pela compaixão, pelo desejo do encontro. Sem a simplicidade, a hospitalidade e o desejo de compartilhar o bem, a missão fracassa.
Tudo aconteceu no cruzamento da estrada que ligava Rio de Janeiro, a capital colonial, a São Paulo, centro empreendedor, e Minas Gerais, paraíso das minas, tão cobiçadas pelas cortes europeias. Deus aparece sempre nas encruzilhadas, e a Igreja não pode esquecer esta vocação de recolher e divulgar, de congregar e enviar, de superar e inovar.
Que bela lição Deus nos dá em Aparecida! As redes das nossas comunidades cristãs são frágeis e esburacadas. A barca da Igreja não tem a potência e a imponência dos navios transatlânticos. Mas Deus vê e escolhe o que é pequeno, frágil e escondido. “Ele olhou para a condição humilde da sua serva” e “dispersou os soberbos” (Lc 1,48.51).
