O Círio de Nazaré: sinal vivo de fé, esperança e comunhão 

Dom Anuar Battisti 
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

 

Neste mês de outubro, o coração do Brasil se volta mais uma vez para Belém do Pará, onde o povo paraense celebra o Círio de Nazaré, uma das maiores manifestações religiosas do mundo. O Círio é muito mais do que uma procissão: é a expressão da fé que move um povo, é a pregação silenciosa da Igreja que caminha com Maria, é o testemunho visível de que Deus continua agindo no meio de nós. 

Ao contemplarmos as imagens que chegam de Belém, percebemos que o Círio é um verdadeiro sacramento da esperança. Milhões de pessoas se reúnem nas ruas, rezando, cantando, chorando, agradecendo e pedindo. Cada passo dado pelos fiéis é uma prece; cada vela acesa é um ato de fé; cada lágrima é uma oferenda. O povo não vai ao encontro de uma simples imagem: vai ao encontro da Mãe de Jesus, que nos conduz a seu Filho. 

A grandiosidade dessa celebração impressiona não apenas pelos números, mas pela força espiritual que dela brota. São homens, mulheres, idosos, crianças, famílias inteiras que caminham lado a lado, unidos por um mesmo amor. Na corda que puxa a berlinda, vemos entrelaçadas as dores e as esperanças do povo amazônico — um povo que conhece o valor da fé partilhada e que, mesmo diante das dificuldades, não deixa de agradecer. 

A Igreja no Brasil inteiro se alegra com o testemunho de fé do povo paraense. O Círio é um dom que Belém oferece a toda a nação. Ele recorda que a fé católica não se esgota nas paredes dos templos, mas se manifesta no meio da vida, nas praças, nas ruas, nos gestos concretos de amor e de partilha. A cada segundo domingo de outubro, a capital paraense se torna o altar do Brasil. 

Celebrar o Círio de Nazaré é celebrar o mistério da Encarnação: o Deus que se faz próximo, que caminha com o seu povo, que se deixa tocar por mãos humanas. Maria, a Mãe de Nazaré, é o ícone dessa presença amorosa de Deus. Ela caminha à frente dos seus filhos, intercede por eles, consola, acolhe e aponta para Jesus. No Círio, a Igreja inteira caminha com Maria e aprende com Ela o caminho da fé. 

Neste Ano Jubilar da Esperança, o Círio ganha um sentido ainda mais profundo. O Jubileu nos convida a redescobrir a beleza da esperança cristã, que nasce da certeza de que Deus não abandona o seu povo. E o povo paraense, com sua fé viva e perseverante, nos mostra que a esperança se renova a cada passo dado em direção à Mãe de Deus. Maria é a mulher da esperança, aquela que acreditou nas promessas do Senhor e permaneceu firme mesmo diante da dor. Ao olhar para Ela, a Igreja aprende a esperar e a confiar. 

O Círio também é um sinal da comunhão eclesial. A multidão que caminha nas ruas de Belém representa o rosto da Igreja missionária e sinodal que o Papa Francisco tanto nos convida a viver. Ninguém caminha sozinho. Cada devoto é parte de um corpo que reza, celebra e se doa. É o Espírito Santo quem conduz essa procissão viva, transformando o movimento popular em um grande ato de louvor. 

A liturgia do Círio, em suas missas, novenas e procissões, revela a profunda harmonia entre fé e vida. Quando o povo canta, reza e caminha, ele celebra a Eucaristia com os próprios passos. É a Palavra de Deus que se torna gesto. É a fé que se traduz em peregrinação. O altar se estende pelas ruas, e o Evangelho ganha rosto na multidão que caminha. Essa é a beleza da liturgia encarnada: o louvor que nasce da vida e retorna à vida transformada. 

O testemunho do povo amazônico é, para todo o Brasil, um convite à renovação espiritual. Num mundo tantas vezes marcado pela indiferença e pela pressa, o Círio nos ensina a parar, a contemplar e a agradecer. Num tempo em que tantos perdem a esperança, o povo de Belém nos mostra que a esperança renasce quando caminhamos juntos, quando partilhamos a fé e confiamos em Deus. 

Ao celebrar o Círio de Nazaré, somos convidados a viver também o nosso próprio “círio interior”: a caminhada do coração em direção a Cristo. Cada um de nós tem um trajeto espiritual a percorrer, com suas promessas, dores e alegrias. Maria caminha conosco, ensina-nos a perseverar e a guardar tudo em nosso coração. 

Neste tempo jubilar, o Círio nos convida a sermos peregrinos da esperança. Que cada fiel, em sua comunidade, viva com intensidade a fé que move o povo de Belém. Que saibamos carregar a “corda” da solidariedade, puxando uns aos outros para mais perto de Deus. Que aprendamos com o povo paraense a transformar a devoção em missão e a piedade popular em compromisso com o Evangelho. 

Maria de Nazaré continua sendo para nós o espelho da Igreja e o modelo do discípulo missionário. Nela encontramos a ternura de Deus, o silêncio que escuta e a fé que não desiste. O Círio é o testemunho de um povo que aprendeu a caminhar com Maria e a confiar nas promessas do Senhor. Que essa fé contagiante inspire também as nossas dioceses, paróquias e famílias, para que sejamos uma Igreja em saída, viva e cheia do Espírito Santo. 

O Círio de Nazaré é, em sua essência, um grande louvor à vida e à comunhão. É o Brasil ajoelhado diante de Deus por meio da Mãe Santíssima. É a Amazônia elevando sua prece por toda a humanidade. Que este Círio, em plena preparação para o Jubileu da Esperança, reacenda em cada um de nós o desejo de sermos construtores da paz, servidores da fé e mensageiros da esperança. 

Que Nossa Senhora de Nazaré abençoe o povo paraense e todos os devotos que, de perto ou de longe, se unem espiritualmente a essa celebração. Que Ela interceda para que o Brasil inteiro caminhe unido sob o manto da esperança e na alegria do Evangelho. Que o Círio de Nazaré, com toda a sua beleza e força espiritual, continue sendo para o nosso país um farol de fé, um hino de amor e um convite permanente à santidade. 

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