Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
No dia 4 de novembro de 2025, foi publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé uma nota intitulada Mater Populi Fidelis (Mãe do Povo Fiel). O documento recorda que não é apropriado atribuir à Virgem Maria o título de “Co-redentora”, pois Cristo é o único Redentor da humanidade. Ao mesmo tempo, afirma que o título “Medianeira de Todas as Graças” pode ser usado na Igreja, desde que compreendido em seu sentido correto, sem ultrapassar os limites que a própria fé católica define.
A publicação da nota ocorreu em plena Trezena da Romaria Estadual da Medianeira, em Santa Maria – a maior manifestação mariana do Rio Grande do Sul, que reúne centenas de milhares de peregrinos. Naturalmente, entre nós surgiu a pergunta: esse ensinamento coloca em risco nossa devoção? A resposta é clara: não. Ao contrário: a nota confirma e fortalece a forma pela qual, historicamente, vivemos e ensinamos o título de Medianeira em Santa Maria.
Como Arcebispo desta Arquidiocese e devoto da Mãe Medianeira, desejo recordar a todos que nossa tradição permanece sólida, viva e plenamente fiel à doutrina da Igreja. O título de Medianeira chegou ao coração do Rio Grande por meio da piedade e do zelo apostólico do Pe. Inácio Valle, jesuíta, que difundiu esta devoção com grande amor a Cristo e à Igreja. Ele não inventou uma crença paralela, mas expressou, em linguagem simples e popular, uma verdade profunda da fé.
Mãe que intercede
A Nota Doutrinal Mater Populi Fidelis afirma exatamente isso: Maria não é fonte da graça, mas Mãe que intercede. Não é deusa, é discípula. Não é autora, é cooperadora. Toda graça vem de Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Mas Deus, em sua Providência, quis associar Maria de modo singular à vida e à missão de seu Filho. E esta é justamente a fé que o povo de Santa Maria sempre professou.
Nossa devoção nunca afirmou que Maria age sozinha ou por autoridade própria. O povo fiel sempre entendeu que Maria é como a lua: não tem luz própria, mas reflete a luz do Sol da Justiça. Quando a chamamos de Medianeira, queremos dizer que ela nos conduz ao Filho; apresenta nossos pedidos ao Coração de Cristo, de onde jorra toda graça.
Medianeira que conduz ao Cristo
Maria não retém as graças, ela nos conduz ao Cristo, que é a própria Graça. Por isso, o Concílio Vaticano II ensina na constituição Lumen Gentium (62):
A missão maternal de Maria de modo nenhum obscurece a única mediação de Cristo, mas manifesta a sua eficácia. A Bem-aventurada Virgem é invocada na Igreja como Advogada, Auxiliadora, Socorro e Medianeira, de modo que nada se tire nem acrescente à dignidade e eficácia de Cristo, único Mediador.
O Concílio é claro: Maria pode ser chamada Medianeira, sim. Mas sua mediação é dependente, subordinada e participada. Não é paralela, nem concorrente à de Cristo. Ou seja: é mediação materna, não rival; intercessão, não substituição.
Por isso, celebrar a Medianeira em Santa Maria não é apenas tradição: é profissão de fé. É afirmar que a esperança tem um rosto. Que não caminhamos sozinhos.
E que, quando a vida pesa, há uma Mãe que nos acompanha.
Dessa Mãe, ouvimos de novo o conselho que sustenta a vida espiritual de todo cristão:
“Fazei tudo o que Ele vos disser.”
