Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
A celebração do IX Dia Mundial dos Pobres, no próximo domingo, cria uma oportunidade singular de interpelação social: na sociedade contemporânea, marcada pelo consumismo e por certo egoísmo na busca pelo bem-estar, pesa sobre os pobres o horror da indiferença. É verdade que existem muitas iniciativas concretas de cuidado social, mas não são suficientes para superar exclusões perversas. Sublinhe-se a importância do trabalho de muitas pessoas e instituições, particularmente de organizações guiadas pela fé, de organizações não-governamentais e de cidadãos solidários. Apesar de tantos esforços dedicados ao amparo, o peso da indiferença e das morosidades continua a incomodar. Muitos pobres são desrespeitados em suas necessidades básicas, privados, inclusive, de um prato de comida para matar a própria fome. Milhares de desnutridos, mundo afora, estão bem perto da mesa farta de quem está saciado, chegando à transgressão moral de desperdiçar alimentos. A realidade desafiadora dos pobres sinaliza que o mundo ainda carece de sensibilidade para cuidar dos que precisam de amparo, para inspirar políticas públicas de inclusão e de efetivo respeito à dignidade inviolável de toda pessoa. Para se alcançar essa sensibilidade que ilumina mentes e corações é preciso combater a pobreza espiritual, obstáculo para mudar os vergonhosos cenários de exclusão e discriminação.
Essa pobreza espiritual cria justificativas para atitudes gananciosas, para funcionamentos excludentes do mercado, emoldurados pela mesquinhez, constatados especialmente na lógica extrativista que rege a exploração do meio ambiente. O “amor” desmedido ao dinheiro, contracenando com a perversa indiferença em relação aos pobres, precisa ser tratado. Não se pode passar por cima do bem comum e somente se importar com o êxito do próprio negócio, buscando promovê-lo a todo custo. Caso contrário, não se abrirá uma nova página na história da humanidade. As discussões técnicas, que inspiram decisões, precisam, pois, de envergadura espiritual. Um contraponto à pobreza espiritual de validar somente o que aumenta o próprio poder, sem compromisso com a promoção da cultura da solidariedade, essencial para fortalecer a luta por uma sociedade mais igualitária e fraterna.
Todos são irmãos e irmãs, um princípio na contramão de manipulações em favor de quem pode mais, um antídoto para não se escorregar e tomar decisões apequenadas pela estreiteza de horizontes. A pobreza espiritual precisa ser corrigida pelo convite bíblico à esperança, conforme indica o Papa Leão XIV na sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres 2025. A esperança anunciada na Palavra de Deus traz consigo o dever de assumir, sem demoras, responsabilidades na construção da história. A espiritualidade que tem força para combater e vencer a pobreza espiritual é a caridade, a ser vivida como maior mandamento social, segundo bem indica a Doutrina Social da Igreja Católica. A mensagem do Papa Leão XIV enfatiza que a pobreza tem causas estruturais a serem enfrentadas para se criar novos sinais de esperança. No exercício dessa missão, vale inspirar-se no testemunho transformador de homens e mulheres com envergadura espiritual que ajudaram a dar novo rumo para a história da humanidade.
Urge-se uma fecunda sensibilização social para efetivar políticas públicas capazes de ajudar na superação dos cenários de pobreza. O Papa Leão XIV cita a necessidade de serem instituídas casas-família, comunidades para menores, centros de acolhimento e escuta, dormitórios, escolas populares e muitas outras iniciativas como sinais de esperança, criando oportunidades para o exercício do voluntariado e da cooperação, remédios para a indiferença que é suprema expressão da pobreza espiritual. A Igreja Católica, ao promover mais um Dia Mundial dos Pobres, lembra que os excluídos são os irmãos e irmãs mais amados porque cada um deles, diz Papa Leão XIV, com suas palavras e sabedoria, podem ajudar o mundo a “tocar com as mãos” a verdade do Evangelho de Jesus, fonte inesgotável e inigualável de riqueza espiritual. A verdade do Evangelho tempera e impulsiona a sabedoria para efetivar compromissos assumidos em benefício dos pobres. Assim, o Dia Mundial dos Pobres recorda às comunidades de fé, com repercussões na sociedade civil, a respeito da importância e da urgência de se dar centralidade aos pobres nos debates, nas prioridades e no cultivo da proximidade.
A proximidade em relação aos pobres é capaz de mudar visões, corrigir vícios e consolidar um modelo sociopolítico enraizado na verdade e na transparência, inspira o combate à corrupção, à violência e ao descalabro moral do esbanjamento e do desperdício. Tratar adequadamente todo tipo de pobreza é sinal forte e eficaz de esperança, pois cria a oportunidade de acolher e de viver concretamente o Evangelho de Jesus. Não se pode correr o risco de se habituar com as ondas de empobrecimento de cada dia e de muitos modos. Inspiradora e provocante é a indicação de Santo Agostinho, citada na mensagem do IX Dia Mundial dos Pobres: “Damos pão a quem tem fome, mas seria muito melhor que ninguém passasse fome e não precisássemos ser generosos com ninguém. Damos roupas a quem está nu, mas Deus queira que todos estejam vestidos e que ninguém passe necessidade sobre isto”.
Vale investir na superação da pobreza espiritual para alavancar um novo tempo, por meio de lideranças e servidores que não fazem do dinheiro a pauta principal. A prioridade deve ser alcançada a partir da proximidade em relação aos pobres, priorizando as suas necessidades, para encontrar a direção certa rumo à construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Trilhar o caminho dos pobres, pela escuta de seus clamores, pelo atendimento de suas necessidades emergenciais e pelo compromisso com políticas públicas que redesenhem a sociedade contemporânea é esperançar, significa investir para que a humanidade construa para si um novo tempo, no horizonte do Menino que está para chegar – celebração do Natal de Jesus.
