A missão como essência da Igreja 

Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

A missão é a atividade primeira da Igreja e, por isso mesmo, constitui sua identidade mais profunda. Não se trata de uma dimensão acessória ou de uma pastoral entre tantas outras: a Igreja existe para evangelizar. Tudo o que ela realiza — estruturas, ministérios, celebrações e iniciativas — deve estar orientado para o anúncio do Evangelho. O Concílio Vaticano II já havia afirmado que a Igreja é “por sua natureza missionária” (Ad Gentes 2). Isso significa que toda ação eclesial deve ser compreendida como um prolongamento da missão de Cristo, o Enviado do Pai, que veio para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). 

A missão não é apenas uma tarefa funcional; é antes de tudo, um encontro transformador com Jesus Cristo, morto e ressuscitado, que marca a vida e quem o encontra e torna impossível permanecer em silêncio. O Papa Francisco, em Evangelii Gaudium (36), recorda que o núcleo desse anúncio é o querigma _ a beleza do amor salvífico de Deus revelado em Cristo. Esse anúncio não é mera informação religiosa, mas potência transformadora que toca a integralidade da pessoa: mente, coração, vínculos e estruturas sociais. 

Missão e Conversão: fé que se torna comunhão 

Nesse sentido é falar de conversão. Não apenas uma conversão individual, mas também comunitária e relacional. A fé cristã não se vive de forma isolada, mas como experiência comunitária que gera comunhão. A missão nasce do encontro de dons e da partilha entre os fiéis, irradiando-se para o mundo. Essa dimensão relacional é decisiva: evangelizar é criar laços novos, vínculos de solidariedade e esperança, traduzidos em compromisso com a justiça e com o cuidado da Casa Comum. 

O batismo e a confirmação unem os fiéis à missão transformadora de Cristo. Pelo sacramento, cada cristão é enviado ao mundo para encurtar distâncias, aliviar dores e tocar a carne sofredora do próximo. Não há como separar fé e missão: ser cristão é ser missionário. Esse chamado exige sair de uma pastoral de mera conservação _ satisfeita com grupos fechados e celebrações internas _ para abraçar uma pastoral missionária que vá ao encontro dos afastados, indiferentes e excluídos. 

A missão deve alcançar todos: os que participam ativamente da vida eclesial, os batizados que não foram suficientemente evangelizados, os que conservam uma fé sincera mas distante da comunidade, e até mesmo aqueles que sempre recusaram Jesus Cristo. A evangelização, portanto, ultrapassa os limites da Igreja, alcançando as periferias geográficas e existenciais _ os pobres, migrantes, encarcerados, jovens sem horizonte e invisibilizados. Neles, a Igreja reconhece o rosto do Senhor e renova sua vocação de ser sacramento universal de salvação. 

Evangelizar com coragem e discernimento  

A missão também exige discernimento: saber o que é essencial e o que é secundário. Em tempos de mudança de época, a Igreja não pode se dispersar em questões periféricas, mas precisa concentrar-se no primeiro anúncio e na transmissão da fé. Isso significa resgatar a simplicidade e a força do Evangelho, sem reduzir a vida eclesial a eventos sociais ou estruturas administrativas.  

O anúncio de Cristo vivo é a maior alegria que a Igreja possui e o melhor presente que pode oferecer ao mundo. Reter esse dom seria uma contrariar o amor de Deus e o mandato missionário de Jesus: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). 

A missão é também compromisso histórico. Não se pode anunciar o Evangelho sem tocar nas feridas do povo nem sem assumir responsabilidades sociais. A Igreja missionária é chamada a promover a paz, a justiça e o cuidado da criação, unindo o anúncio explícito de Cristo e testemunho concreto de caridade. O mandamento do amor não se esgota na liturgia ou na catequese: manifesta-se no compromisso com a vida em todas as suas etapas, na defesa dos vulneráveis e na promoção da dignidade humana. 

Uma comunidade fechada em si mesma _ em suas festas, estruturas ou administração _ perde a razão de existir. Por isso, a missão exige conversão pastoral: revisar tudo o que atrapalha ou desvia do essencial. Só assim seremos fiéis ao chamado de Jesus. 

Concluindo, a missão é a vocação fundamental da Igreja. Ela nasce do encontro pessoal com Cristo, se expressa no anúncio do querigma, se concretiza em vínculos de fraternidade e se traduz em compromisso com a sociedade. Não é uma tarefa entre outras, mas a própria identidade da Igreja. Uma comunidade que não evangeliza deixa de ser plenamente Igreja. Em tempos desafiadores, é urgente recordar que a missão não é peso, mas graça: é partilhar com todos o tesouro da fé que nos foi confiado, para que o mundo tenha vida e esperança. 

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