O olhar de mãe que vê o pobre: do Evangelho à Pastoral 

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

 

Queridos filhos e filhas, amados irmãos em Cristo, 

Com o coração de pastor, dirijo-me a vós por ocasião do Dia Mundial dos Pobres. Esta data, instituída pelo nosso amado Papa Francisco, de venerável memória, ressoa hoje com nova força sob a exortação do nosso Santo Padre, o Papa Leão XIV, que nos conclama a não apenas “ver” o pobre, mas a “tocá-lo” e a “cuidar” dele com a eficácia do amor. 

Ao meditar sobre este dia, meus pensamentos não vão primeiro para as grandes teorias sociológicas ou para os números complexos da economia. Meu coração se volta para uma cena simples do Evangelho: as Bodas de Caná (cf. Jo 2, 1-11). 

Eu gosto de pensar que, naquela festa, muitas pessoas importantes estavam presentes. Os noivos, os convidados, os mestres de cerimônia, e até mesmo Jesus e seus discípulos. Mas, no meio da festa, algo começou a faltar. O vinho, sinal da alegria, estava acabando. Quem percebeu? Quem foi o primeiro a notar a “pobreza” que se instalava naquela casa? 

Não foram os homens. Não foram os mestres. Foi ela. Foi a Mãe. Foi Maria. 

A Virgem de Caná tem o “olhar de mãe”. O olhar de mãe é aquele que não se distrai com as aparências da festa; é o olhar que está atento ao essencial. É o olhar que percebe o que falta, que vê a necessidade antes que ela se torne um escândalo. E, ao perceber, ela não faz um discurso: ela age. Ela se aproxima de Jesus e diz, com a confiança de uma mãe: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3). E depois, diz aos serventes aquilo que é a base de toda a nossa ação social na Igreja: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). 

Meus irmãos, o Dia Mundial dos Pobres é um chamado para que a nossa Igreja, em cada paróquia, em cada diocese, tenha este “olhar de mãe”. 

O mundo de hoje é uma grande festa de Caná, cheia de ruídos, distrações e aparências. E, no entanto, o vinho da dignidade, da saúde e do pão está faltando para milhões. A pobreza não é uma abstração; ela tem um rosto, um nome, um endereço. E digo-vos, com a experiência que Deus me permitiu viver à frente da Pastoral da Criança: o rosto mais pobre entre os pobres é o rosto de uma criança. 

A pobreza mais cruel é aquela que rouba o futuro antes mesmo que ele comece. É a pobreza da mãe-gestante que não tem o nutriente necessário; é a pobreza da criança que não alcança o peso ideal nos primeiros mil dias de vida; é a pobreza da falta de saneamento básico, da vacina que não chega, do abraço que cura e que, por vezes, também falta. 

Jesus, no Evangelho, foi claro: “Deixai vir a mim as criancinhas” (Mc 10, 14). Ele não apenas as acolheu; Ele as colocou no centro. Tocar na vulnerabilidade de uma criança é tocar na vulnerabilidade do próprio Deus. 

Aprendi, ao longo de décadas servindo a esta obra maravilhosa que é a Pastoral da Criança, que a caridade não pode ser apenas um sentimento de compaixão. A compaixão é a faísca, mas a caridade organizada é o fogo que aquece e transforma. Maria, em Caná, não distribuiu o vinho ela mesma; ela organizou os serventes para que seguissem Jesus. 

O Dia Mundial dos Pobres é, portanto, uma celebração dos nossos voluntários. É o dia de agradecer a Deus por aquelas “Marias” de colete que, hoje, em nossas comunidades, batem de porta em porta, pesam as crianças, ensinam a fazer o soro caseiro, e levam não apenas o alimento, mas a Palavra de Deus que dá sentido à vida. É a caridade que não é esmola, mas é promoção da vida, é partilha de saberes, é “fazer o que Ele nos disse”. 

O Papa Leão XIV nos lembra que a Igreja deve ser “hospital de campanha”. Pois bem, este hospital começa no ventre da mãe, na visita à gestante, no cuidado com o recém-nascido. Não podemos nos contentar em aliviar os sintomas da pobreza; devemos, como Igreja, ir às suas causas, e a causa primeira da dignidade é o cuidado com o início da vida. 

Eu mesmo, que experimentei a fragilidade da saúde e a incerteza do amanhã, aprendi a depender ainda mais da Providência. Aprendi, na pele, o que significa ser “pobre” e necessitado do cuidado dos outros. E vi, no rosto dos médicos, enfermeiros e agentes de pastoral, o rosto misericordioso de Cristo. 

Neste Dia Mundial dos Pobres, quero convidar você. Talvez você não possa mudar as estruturas econômicas do mundo, mas você pode mudar o mundo de uma criança. 

Olhemos para a nossa Mãe, Nossa Senhora Aparecida. Ela, a Padroeira do Brasil, quis ser encontrada por homens pobres, pescadores, nas águas de um rio. Ela apareceu negra, pequena, quebrada, como sinal da predileção de Deus pelos últimos. Que ela, a Senhora de Caná e de Aparecida, nos dê o seu “olhar de mãe”. Que ela nos ensine a ver a falta do “vinho” na casa do nosso vizinho. 

E que, ao vermos, tenhamos a coragem de arregaçar as mangas, de nos voluntariar em nossas pastorais, e de fazer, com alegria e eficácia, tudo o que Jesus nos disser. 

Que Deus abençoe vossas famílias, vossas mesas e vossa generosidade. 

 

 

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