Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de montes Belos (GO) 

 

Há uma beleza que se guarda e não chama atenção, nem se ostenta, apenas existe. Uma beleza que mora no brilho de olhos distraídos, na paz que visita o coração no meio do dia, na pequena alegria que resiste ao castigo do tempo. Uma beleza que prefere o que está esquecido e encostado nas coisas gastas. 

Essa beleza conhece as feridas. Sabe que toda cicatriz é desenho de retorno, linhas que mostram por onde a vida passou antes de voltar do abismo.  

O Evangelho de Lucas mostra uma cena em que essa beleza parece ausente. Alguns apontavam, admirados, a grandeza do templo, as pedras imensas, os adornos, o esplendor visível. Jesus ouve e responde com uma frase que parece contrariar a admiração: “não ficará pedra sobre pedra”. É como se dissesse que aquilo que os olhos chamam de definitivo não suporta o peso do tempo. E Ele continua, enumerando guerras, revoluções, abalos, fome, perseguições, traições. Coisas não estranhas à história, pois reaparecem, século após século, com novos nomes e as mesmas feridas. 

É fácil imaginar que num mundo assim a beleza seja apenas luxo. Mas é justamente aí que ela mostra sua força. As pedras caem, as estruturas se movem, o chão treme, e no entanto há um olhar que aprende a não se assustar. 

A beleza é esse olhar! Sem negar a gravidade dos acontecimentos, ela se recusa a deixar que eles sejam a conclusão. Sem se opor ao real, ela apenas o aprofunda, abrindo uma fissura na dureza da vida. 

Jesus não promete um caminho fácil, nem uma caminhada plaina. Fala de prisões, incompreensões, ódio, famílias divididas. Mas, dentro desse cenário, oferece um dom que não se compra. 

Palavras e sabedoria que ninguém consegue silenciar, cuidado minucioso que conta até os fios de cabelo, uma promessa de que a vida não será perdida. É como se dissesse que, enquanto as estruturas visíveis desabam, outra construção silenciosa se ergue por dentro.  

A beleza que vem de Cristo é resistência luzente. Ele não se apresenta como um ornamento do templo, e sim como o próprio Templo que permanece quando todas as paredes caem. 

Um dia, essa mesma beleza subiu um monte. Não levava nenhum adorno, mas o peso manso de uma autoridade que ninguém podia contestar. A multidão se aproximou, carregando seus medos, suas faltas, suas perguntas. Então Ele se sentou, e o mundo teve a sensação de que, por um instante, respirava com mais profundidade. A voz que anunciou a queda das pedras também revelou o que permanece quando tudo cai. 

Ele começou a falar de felicidade, mas não daquela que se mede pelo sucesso ou pela ausência de problemas. 

Falou dos pobres de espírito, daqueles que não se bastam e deixam lugar para Deus, e ali revelou que o Reino escolhe essa casa humilde para morar. 

Falou dos que choram, e não prometeu que nunca mais haveria lágrimas, mas disse que deles é o consolo, como se cada pranto pudesse ser colhido pela mão de alguém que conhece o peso da dor. Falou dos mansos e mostrou que a terra, tantas vezes violenta, reconhece e confia na leveza. 

Falou dos que têm fome e sede de justiça, não como idealistas, mas como gente que traz no peito a impaciência de Deus diante da injustiça; a esses prometeu saciedade, como quem garante que o mundo não ficará alquebrado para sempre 

Falou dos misericordiosos, que se arriscam a perdoar quando tudo pede vingança, e revelou que o coração que se abre dessa maneira acaba encontrando uma medida nova de misericórdia. Falou dos puros de coração, não como perfeitos sem manchas, mas como aqueles que permanecem inteiros, sem duplicidade, e disse que esses verão a Deus, como se a própria beleza divina estivesse escondida na simplicidade do olhar limpo. 

Falou dos que promovem a paz, não como diplomatas nacionalistas, mas como artesãos que costuram tecidos rasgados; chamou-os filhos de Deus, como se a paz fosse a assinatura do Pai em suas vidas. E, por fim, falou dos perseguidos por causa da justiça, daqueles em quem o mundo descarrega sua fúria, e afirmou que deles é o Reino dos céus. 

Nele, a beleza escondida no mundo ganhou rosto, voz e forma. Tudo o que estava disperso, tudo o que aparecia como sussurro em meio ao barulho das catástrofes, tudo o que se insinuava como esperança em meio ao medo, reuniu-se naquela fala sobre o monte. A beleza não era mais uma presença tímida em cantos discretos da vida. Ela estava ali, sentada, falando, revelando que o verdadeiro esplendor é a vida transformada em bem-aventurança. 

Desde então, a beleza mais resplandecente é o próprio Cristo, que atravessa o tempo como uma promessa viva. Nele, o mundo ferido encontra o seu contorno e a vida descobre que não é forjada para terminar em ruínas. Nele, toda catástrofe perde o direito de decidir. E, quando a sua voz ecoa no coração, é como se a nascente escondida sob a pedra e colunas viesse à tona, e das ruínas do templo devastado emerge uma beleza como nunca se havia visto. 

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