Dom Pedro Cunha Cruz
Biso de Nova Friburgo (RJ)
A pastoral Afro-Brasileira surgiu como fruto de um longo processo de conscientização e atuação de vários negros e negras que assumiram viver sua fé na Igreja, considerando a realidade da população afrodescendente no continente Latino-americano e, de modo específico, no Brasil.
O pós-concílio foi um marco histórico que facilitou a criação de novos agentes desta pastoral. Em 1979, a Conferência de Puebla deu passos novos em continuidade ao espírito do Vaticano II, mostrando a necessidade de uma atenção maior aos pobres e, em especial, aos negros e negras que vivem discriminados e em situações desumanas (Puebla, n. 34).
A Campanha da Fraternidade de 1988, com o tema: “Fraternidade e o Negro” e Lema: “Ouvi o clamor deste povo”, alavancou a questão dos negros, retratando a sua situação tanto econômica quanto educacional, e as grandes desigualdades decorrentes destes aspectos. Isto quer dizer uma menor oportunidade de emprego e renda inferior à das pessoas brancas, como destaca o texto-base da CF 88 (pp. 8-16). A Campanha da Fraternidade chamou atenção para as situações das mulheres, menores e jovens negros, vítimas da discriminação, marginalização e violência, presentes ainda nos dias atuais. Na verdade, falta no Brasil uma democratização racial, que estabeleça os mesmos direitos e dignidade a todas as pessoas, independente da cor de sua pele (cf. números 246 e 249 da Conferência de Santo Domingos).
O Documento 85 da CNBB trata da exigência de uma ação evangelizadora, com novos métodos e expressões, onde faça chegar a missão da Igreja a estas pessoas vítimas de um racismo e desigualdade, isto é, com Parresia (uma coragem que vem da fé).
A Pastoral Afro se ocupa em acolher, entender e ouvir os clamores destas pessoas à luz da Palavra de Deus e da Tradição da Igreja, sobretudo valorizando as suas expressões culturais (Doc. 85 e 100 CNBB, 263-264). Ela se propõe sensibilizar a Igreja, e por ela, toda a sociedade, para o problema racial e as questões afro-brasileiras; dando visibilidade a esta pastoral no conjunto das ações pastorais da Igreja. Promover a integração e articulação das pessoas, ajudando a construir uma sociedade mais justa e solidária. É urgência de uma Igreja a favor da vida. Ela vai aonde ninguém quer ir. Esta é uma das urgências mais bonitas da nossa Igreja.
O que já tem sido feito na nossa Igreja? A Igreja já tem várias iniciativas para apoiar os afro-brasileiros, como a Romaria da comunidade negra a Aparecida do Norte, o Congresso Nacional de entidades negras católicas (CONENC), Instituto Mariama (articulação de bispos, presbíteros e diáconos negros; ex.: Encontro dos bispos afrodescendentes na Assembleia dos bispos todos os anos); além de encontros regionais e diocesanos.
Há muitos projetos e atuações pastorais Afro que acontecem não só no âmbito da Igreja, como por exemplo, a Educafro (Frei David, OFM), pois a Igreja está atenta às exigências da sociedade civil e solidária às reinvindicações dos movimentos populares; como o trabalho de padres e leigos junto aos remanescentes dos quilombos do Brasil, luta por bolsas para ingressos em universidades, etc.
O objetivo geral da Pastoral Afro é estruturar e fortalecer os grupos de reflexão sobre a questão racial no Brasil à luz da Palavra de Deus e dos Documentos da Igreja, criando e apoiando os grupos nas paróquias e nas dioceses (Documento de Aparecida, números: 89, 91, 532 e 533).
Não podemos deixar de recordar a importante Nota da Pastoral Afro-brasileira sobre “vidas negras importam” (05/06/2020). A nota afirma que não é possível calar-se diante dos processos históricos de banalização e destruição das vidas dos negros e negras. A Igreja ensina e exige o respeito e o cuidado com a vida. Papa Francisco, por ocasião da morte de George Floyd, disse: “Não podemos tolerar nem fechar os olhos diante de nenhuma forma de racismo ou exclusão e pretendemos defender o caráter sagrado de toda vida(…) me uno a todos para rezar pelo descanso da alma de George Floyd e de todos aqueles que perderam suas vidas por causa do pecado do racismo” (Santo Domingos, n. 243).
Que este dia da Consciência Negra nos conscientize dos passos importantes que ainda devemos dar para a superação do “racismo estrutural”, persistente em vários setores da nossa sociedade. No ano jubilar da Esperança, renovemos nossos bons propósitos, a fim de sonharmos com um mundo mais fraterno e igual para todos, onde o racismo seja uma sombra do passado sem atravessar as futuras gerações; e que o futuro seja construído com as raízes da igualdade e respeito à dignidade de cada pessoa, independente da cor e raça.
