Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
A solenidade festiva de Cristo, Rei do Universo, no próximo domingo, completa 100 anos. Instituída pelo Papa Pio XI em 1925, com o propósito de sublinhar a realeza universal de Jesus Cristo, ofereceu uma resposta à crescente secularização, orientando a humanidade a se inspirar no reinado de Cristo, para iluminar inteligências, vontades e corações, governos e nações. O propósito pode ter sido eivado de traços e feições triunfalistas próprios do contexto cultural e religioso da época, mas, em sua essência, continua pertinente, considerando as demandas desafiadoras da contemporaneidade. O mundo sofre com cenários vergonhosos de pobreza extrema, disputas sanguinárias na política e esgotamento perverso no meio ambiente. Reconhecer e refletir sobre a realeza de Cristo pode ajudar a encontrar soluções para esses graves problemas. Assim se compreende a importância da Festa de Cristo Rei, em conclusão do Ano Litúrgico, anunciando em seguida o tempo do Advento, preparação para uma qualificada celebração do Natal do Senhor.
Na Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral, seu primeiro arcebispo, escolheu Cristo Rei como titular da Catedral. Uma escolha que perdura na Catedral Cristo Rei. A Igreja-Mãe da Arquidiocese de Belo Horizonte está em construção à luz de uma realeza que se configura por meio de um rei que tem por trono a cruz e a sua coroa é de espinhos. Seu poder se traduz na oferta de sua vida em resgate de muitos, por seu corpo e sangue oferecido e derramado neste altar: a cruz trono. O evangelista João narra a cena, de modo comovente, iluminando a presença materna de Maria, a mãe que recebe nos seus braços o filho amado, morto em resgate da humanidade. A realeza de Cristo é uma linguagem que condensa lições. Possibilita aprendizados que, se praticados, se tornam remédios. A realeza de Cristo cura feridas que marcam a humanidade, especialmente neste terceiro milênio. Um contraponto a “reinados” da geopolítica dos tempos atuais.
Na política, geralmente, os discursos, mesmo possuindo pertinência, não correspondem à conduta de seus autores. Muitos são orientados aos interesses de poucos privilegiados, em prejuízo dos mais vulneráveis. Igualmente frequentes são os discursos ressentidos, movidos por vingança, que apenas acentuam disputas e almejam espezinhar o semelhante. O desejo de poder se torna uma perigosa doença que alimenta, pela via do dinheiro, a crescente violência. Paga-se um preço muito alto, ancorado na manipulação de funcionamentos que, ao invés de servir ao bem comum, atende e corresponde a demandas mesquinhas, de oligarquias indiferentes em relação aos mais necessitados. Trabalha-se simplesmente pela construção de um “reinado” que garanta o próprio bem-estar, obscurecendo a indispensável visão da solidariedade, que deve ser o selo da cidadania qualificada. A cegueira daqueles que somente agem em nome de interesses individualistas desgasta o sentido do serviço, perpetuando indiferenças que aprisionam os pobres na condição de escravos ou reféns. Mas há uma saída: viver para servir, pela dinâmica da partilha e da dedicação pela dignidade de todo ser humano.
O reinado autêntico e transformador pauta-se no serviço capaz de construir novos vínculos e relacionamentos. Confronta a hegemonia do dinheiro, que alimenta uma mentalidade individualista e interesseira, capaz de encontrar justificativas para aumentar, indiscriminadamente, o poder de alguns. A realeza de Cristo é o modelo inigualável que pode resgatar a humanidade desses males. No horizonte do reinado de Jesus, encontra-se a luminosidade da grandeza da oferta generosa e solidária, sinalizando ao ser humano o caminho a ser trilhado para construir uma sociedade segundo o sonho de Deus. Celebrar Cristo Rei é, assim, convite a uma nova compreensão da vida, que precisa ser pautada pela promoção do bem comum, do cuidado minucioso do conjunto da Criação, contemplando a dignidade humana e o meio ambiente.
A Festa de Cristo Rei é interpelante e permanente convite a uma espiritualidade de comunhão, fundamento para modificar critérios, juízos e escolhas tendo como prioridade a configuração de cenários de igualdade, mais humanizados. Cristo Rei é a expressão concreta do amor de Deus Pai, que amou tanto o mundo a ponto de lhe dar o Seu Filho Amado, fazendo da cruz o altar da oferta amorosa de Cristo, obediente e libertadora. Cristo Rei apresenta o horizonte novo para uma humanidade que precisa de dinâmicas solidárias, com lógicas de fraternidade, sem medos e reservas, alcançando a sabedoria da simplicidade, aprendendo a saber viver para partilhar. A Festa de Cristo Rei é um monumento ao verdadeiro reinado, cujo selo de autenticidade se conquista com a disposição de não viver para si mesmo, mas para Ele que morreu por todos. Na verdade, uma escola de reconciliação, uma resposta eficaz para o sonho de uma sociedade mais justa e solidária.
A grandeza do amor de Deus, que oferece o Seu Filho como Salvador e Redentor, deve envergonhar a condição humana para libertá-la de todo tipo de soberba, mesquinhez e impiedades. Matricular-se na escola do mestre Cristo Rei, aprendendo suas lições, é um “broto de esperança” para uma humanidade aprisionada em “reinados” que se movem pela vaidade, pela disputa, pelos revides e rancores que expressam a incompetência espiritual para se viver o amor recíproco. A interpelação é a adoção da cidadania do Reino de Deus. Desse modo, a exemplo de Cristo Rei, amar e servir solidariamente, sempre, cada vez mais e melhor, selando, em todos, a condição de peregrinos de esperança. Um convite, um horizonte e uma interpelação: matricular-se na escola de Cristo Rei.
