Dom Geraldo Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
O fim do mundo é descrito de diversas formas, com múltiplas possibilidades. Daqui a bilhões de anos, o Sol se apagará, nos dizem os cientistas. O universo poderá entrar em colapso, relatam outras teorias. Enquanto isso não acontece, poderá ocorrer o choque de cometas com o planeta Terra, como já houve no passado. Também o ser humano poderia ser o causador de uma devastação suficiente para exterminar a vida da Terra, como uma terrível guerra atômica ou o descuido irreversível causado pela crescente poluição ambiental — o que parece já estar em andamento. Outra possibilidade, como já preconizaram filmes de ficção científica, seria o surgimento de uma enfermidade incurável, causada por um vírus desconhecido.
Quantas mortes causadas pela pandemia do Coronavírus! Tantas outras mortes decorrentes de suas consequências: fome, aumento da criminalidade e da violência, desavenças familiares… Seria o início do fim do mundo? Causa-me angústia só de pensar o que poderia ser esse mundo que aí está, sem vida inteligente para desfrutar de tanto avanço que a mente humana alcançou. Pensemos na cultura. Tantas obras de arte expostas a nenhuma contemplação: esculturas, pinturas, arquitetura… Tantas músicas clássicas e populares, óperas, balés, sinfonias, sem ninguém que as escute ou as assista… Pensemos nos avanços tecnológicos. Pensemos, ainda, no avanço do pensamento humano, através da literatura, das ciências, das filosofias, das teologias. O que seria dos museus e bibliotecas a cultivar mato? Dá dó só de pensar!
O fim do mundo pode ser compreendido como fim de um percurso pessoal. Para a pessoa que termina os seus dias, é chegado o fim do seu mundo. Para as pessoas que vivenciam uma catástrofe, uma fase aguda da história ou provações específicas, é chegado o fim de um mundo. Algumas correntes falam do fim da história. Para muitos, a história teria chegado ao seu fim com a Revolução Francesa; para alguns, com a Revolução Bolchevique; para outros, ainda, com o fim da Era Moderna. De fato, um determinado mundo teve o seu fim com a queda da cidade de Jerusalém. Outro determinado mundo teve o seu fim com a queda do Império Romano, com o fim do Império Otomano, com a tomada da Bastilha ou, ainda, com a dramática experiência das guerras mundiais. Restaram ruínas e certo legado cultural e histórico. Dessas ruínas e legados, outros mundos surgiram. Cosmólogos modernos estão de acordo que, do colapso do universo, um novo universo se formará.
A revelação bíblica nos apresenta outra perspectiva. O Capítulo 13 de Marcos nos relata, em linguagem apocalíptica, uma série de fenômenos e tribulações das coisas que estão por acontecer: rumores de guerras, terremotos, fome (Mc 13,7-8); perseguição (Mc 13,9-12); a abominação da desolação (Mc 13,14); tribulação (Mc 13,19-20); falsos Messias e falsos profetas (Mc 13,21,22); sinais no sol, na lua e nas estrelas, de tal forma que os poderes dos céus serão abalados (Mc 13,21-25). Todos esses fenômenos preanunciam a vinda do Filho do Homem (Mc 13,26-27). Nesse contexto, o Senhor nos faz duas advertências: “Aquele, porém, que perseverar até o fim será salvo” (Mc 13,13b); “Passará o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão” (Mc 13,31). Os discursos escatológicos de Mateus e de Lucas não destoam tanto disso (cf. Mt 24 e Lc 21).
A linguagem dessas narrativas, em estilo profético-apocalíptico, aponta para realidades históricas, como a destruição da cidade de Jerusalém ocorrida no ano 70 (Mc 13,1-2; Mt 24,1-2; Lc 21,5-6) e difusão do Evangelho no mundo grego e romano (Mc 13,10; Mt 24,14). De acordo com alguns comentadores bíblicos, esses textos anunciam a crise messiânica iminente e a esperada libertação do povo eleito, que, de fato, se produziu pela ruína de Jerusalém, a ressurreição de Jesus Cristo e a sua realização na Igreja. Os prodígios cósmicos acenam para as intervenções de Deus na história. Lucas apresenta uma linda palavra de esperança: “Quando começarem a acontecer essas coisas, erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação” (Lc 21,28). Ainda que haja um endereço para um dado momento histórico, essas profecias têm um alcance escatológico.
O Apóstolo Paulo nos adverte que “a figura deste mundo passa” (1Cor 7,31) e que “a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8,22). De acordo com ele, o ser humano vai se encaminhando rumo “ao estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13b). Já o Apóstolo Pedro nos assegura, seguindo as promessas do Senhor, de acordo com o profeta Isaías: “o que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13; cf. Is 65,17; 66,22). O vidente do Apocalipse já contempla, com olhos de esperança, essa realidade anunciada pela Palavra de Deus: “Vi então um céu novo e uma nova terra – pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe. (…) E aquele que está sentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,1.5). Eis aí onde se assenta a nossa esperança cristã: não na destruição, mas na vida em plenitude; sim, em uma nova realidade; sim, na realização do sonho de Deus para a sua criação.
A Liturgia nos ensina: do fim ao recomeço. Do fim do Ano Litúrgico se inicia o Tempo do Advento, tempo de esperançar, tempo de acolher o sonho de Deus para a humanidade. Continuam válidas as proféticas palavras de nosso irmão Juvenal Arduini: “Ainda há esperança, pois a história não acabou” (Destinação antropológica, 177).
