Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
No “Encontro de Angicos: por um Pacto Educativo no Rio Grande do Norte”, realizado na UFERSA, em 27 de novembro de 2025, reuniram-se representantes eclesiais, gestores públicos, educadores e lideranças comunitárias para refletir sobre os desafios da educação potiguar. Ao apresentar o Pacto Educativo Estadual, destaquei os sete princípios propostos pelo Papa Francisco no Pacto Educativo Global, acrescidos de outros três inspirados no magistério recente do Papa Leão XIV: a educação para a interioridade, a formação crítica para lidar com a inteligência artificial e com as novas tecnologias e a promoção da cultura da paz. Neste texto, desejo discorrer sobre a interioridade.
No Encontro com os Educadores, realizado em Roma (31/10/2025), o Papa Leão XIV recordou quatro pilares da tradição agostiniana — interioridade, unidade, amor e alegria — como fundamentos de uma autêntica educação cristã. Ao tratar da interioridade, ele retomou um princípio pedagógico essencial de Santo Agostinho: toda educação verdadeira nasce dentro do coração humano. Por isso afirmou, citando o bispo de Hipona: “O som das nossas palavras atinge os ouvidos, mas o verdadeiro mestre está dentro.” Boas salas de aula, laboratórios e bibliotecas são importantes, mas tornam-se insuficientes se o educando não for conduzido ao encontro com a verdade que o habita.
Segundo a pedagogia agostiniana, educar é mais do que transmitir conteúdos; é despertar o interior da pessoa para reconhecer, por si mesma, aquilo que é verdadeiro, bom e justo. Como recordei em um artigo sobre o De Magistro, Agostinho afirma que as palavras são apenas sinais. Elas provocam, orientam, despertam, mas não comunicam diretamente a verdade. O conhecimento nasce quando a mente, iluminada pela graça, consulta interiormente a verdade. O professor, portanto, é guia e testemunha; o único mestre é Cristo, que instrui desde dentro.
O pontificado de Leão XIV tem recolocado essa dimensão interior no centro da evangelização. Interioridade, no contexto do seu ensinamento, significa escuta, reflexão, discernimento, atenção aos movimentos do coração e busca sincera da sabedoria. Não se trata de fuga do mundo, mas de retornar ao essencial, ao “lugar interior onde habita a verdade”, como afirma Agostinho em De vera religione. Nesse sentido, o Papa Leão XIV alerta para o risco de uma vida marcada por telas, ruídos e dispersão, que sufocam a capacidade de silêncio e profundidade. Tanto estudantes quanto educadores, muitas vezes cansados e sobrecarregados, correm o perigo de perder o contato com sua própria interioridade.
Para Agostinho, a mente humana possui um conhecimento íntimo e imediato: a consciência de estar vivo, de pensar e de desejar a verdade. Educar significa ajudar cada pessoa a nomear, organizar e iluminar essa experiência interior. Uma educação que não toca o coração torna-se mecânica; aquela que desperta a interioridade abre caminhos de liberdade e crescimento.
Ao incorporar a interioridade como princípio do Pacto Educativo Estadual, resgatamos a tradição cristã, fortalecemos a formação integral e oferecemos uma proposta educativa que une razão, ciência, fé, ética e sentido. É uma contribuição decisiva para que corações e inteligências encontrem vias de verdade, liberdade e comunhão.
Como ensinou Santo Agostinho, ecoado por Papa Leão XIV: “Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo; a Verdade habita no coração do homem.” É nesse lugar interior — silencioso, profundo e iluminado pela graça — que toda verdadeira educação encontra o seu início.
