Maria na visão dos padres da Igreja

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)

 

Os Padres da Igreja aprofundaram as suas reflexões sobre Maria à luz dos dados bíblicos, da fé do povo de Deus e do culto litúrgico. Maria é ligada ao Verbo de Deus encarnado, o evento salvífico revelado em Jesus Cristo, tendo presente a pessoa que colaborou neste processo, Maria, Mãe e Virgem. Ela participou do mistério de salvação, assumido pelo Salvador e Redentor, o Senhor, Jesus Cristo [1]. Veremos a seguir a doutrina de alguns padres da Igreja em relação à Mãe do Filho de Deus em profunda união a Jesus Cristo.

 

Deus feito carne.  

Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir no final do século I enfrentou os gnósticos, negadores da realidade humana de Jesus Cristo. Para isso, ressaltou ele a humanidade proveniente de Maria, porque Jesus nasceu nesta realidade com a presença de sua mãe. Por isso ele afirmou que existe apenas um médico, Jesus, carnal e espiritual, gerado e não gerado, Deus feito carne, Filho de Maria e Filho de Deus, vida verdadeira na morte, vida passível e agora impassível, Jesus Cristo, nosso Senhor [2] 

O seio de Maria.  

Santo Inácio também aprofundou o dado do homem novo que é Jesus Cristo, como o único intercessor junto do Pai em favor da humanidade. Ele disse que “O nosso Deus, Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado, para purificar a água na sua paixão”[3]. 

O valor da encarnação do Verbo. 

A Carta de Barnabé, escrito do século II, teve presente a encarnação do Verbo de Deus para levar a plenitude a salvação humana. A pessoa humana pecou e era preciso a redenção. Jesus é o único Redentor. Ele não veio chamar os justos, mas sim os pecadores, que era toda a humanidade (cfr. Mc 2,17). Caso contrário se Ele não tivesse sido encarnado, o ser humano não se salvaria por si só. Era preciso que o Salvador, Jesus viesse de Deus, se encarnasse no seio de Maria, para conceder a nós e a toda a humanidade, a salvação. Ele suportou os pecados de toda a humanidade, assumiu os sofrimentos em vista da glória da ressurreição [4]. 

Paralelo Maria – Eva.  

São Justino de Roma, filósofo, escritor, mártir no século II, foi um dos primeiros autores cristãos que ao paralelo paulino Cristo-Adão(cfr. 1 Cor 15,45) expôs aquele de Maria-Eva. Ele deu importância à missão de Maria na história da salvação, como modelo de obediência e aceitação da Palavra de Deus. Na obra Diálogo com Trifão encontramos: “De fato quando ainda era virgem e incorrupta, Eva, tendo concebido a palavra que a serpente lhe disse, deu à luz a desobediência e a morte. A virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel lhe anunciou a boa noticia que o Espírito do Senhor viria sobre ela e que a força do Altíssimo a cobriria com a sua sombra, através do que o santo que dela nasceu seria o Filho de Deus. A isso, ela respondeu: “Faça-se em mim segundo a palavra”(cfr. Lc 1,38). E da virgem nasceu Jesus, ao qual demonstramos que tantas Escrituras se referem, pelo qual Deus destruiu a serpente, os anjos e homens que a ela se assemelham, e livra da morte aqueles que se arrependem de suas más ações e nele crêem [5]. Maria superou Eva pela sua obediência à Palavra de Deus e a tê-la guardada.  

Recapitulação em Cristo Jesus.  

Santo Ireneu, bispo de Lião, séculos II e III desenvolveu a doutrina da recapitulação onde todas as coisas são recapituladas em Cristo Jesus. Ireneu desenvolveu a visão cristológica onde a visão de Maria, mãe de Jesus Cristo entrou na ordem da recapitulação assumida por Jesus Cristo. Dessa forma encontra-se em Jesus, em estreita analogia também a Virgem Maria que obedece e diz: “Eis ó Senhor a tua serva; faça-se em mim segundo a tua palavra”(Lc 1,38). Eva foi desobediente quando era ainda virgem. Se Eva esposa de Adão e ainda virgem se fez desobediente, tornou-se por si e por todo o gênero humano, causa de morte, Maria invés esposa de um homem que foi para ela destinado e virgem tornou-se por sua obediência por si e para todo o gênero humano, causa de salvação” [6] 

A doutrina mariológica de Tertuliano em ligação com o mistério de Jesus Cristo. 

A doutrina mariológica de Tertuliano influenciou a mariologia em si, colocando a importância da vida de Maria na Igreja, no plano de salvação de Deus pelo seu Filho ao mundo e para o ser humano. Diante das heresias gnósticas, reforçou o autor africano a realidade da humanidade de Cristo, realçando o fato que Ele possuía não um corpo celeste, mas um corpo verdadeiramente nascido da mesma substância da Virgem Maria. 

Ele afirmava a virgindade perpétua em Maria, seja antes do parto como também depois do mesmo, pois Tertuliano confrontou os docetistas, que negavam ao Cristo um verdadeiro corpo humano e pretendiam que a sua concepção e o seu nascimento não fossem que aparentes. Para Tertuliano, Maria é a segunda Eva: “Eva era ainda virgem quando ouviu pelas orelhas a palavra sedutora que devia erigir o edifício da morte. Ocorria da mesma forma que fosse introduzido em uma virgem o Verbo de Deus que devia reconstruir o monumento da vida, de modo que aquilo que foi arruinado pelo mesmo sexo, pudesse ser recuperado para a salvação. Eva acreditou na serpente; Maria acreditou no anjo Gabriel. A desventura que uma atirou com a sua credibilidade, a outra devia cancelá-la com a sua fé” [7]. 

Maria fez a vontade do Pai 

Santo Agostinho, bispo de Hipona, séculos IV e V falou da pessoa de Maria como aquela que fez a Vontade do Pai. Interpretando o evangelista e apóstolo Mateus(cf. Mt 12, 49-50) na qual alguém fez notar a Jesus que sua mãe e seus irmãos estavam de fora, com o desejo de conversar com Ele, perguntou Jesus quem seriam tais pessoas e apontando para os discípulos afirmou que sua mãe e seus irmãos são aqueles que fazem a vontade do seu Pai que está nos céus, sendo dessa forma irmão, irmã e mãe em Jesus Cristo. O Senhor exaltou nela que tenha cumprido a vontade do Pai [8]. 

Santo Agostinho também afirmou numa outra passagem dos santos evangelhos na qual uma mulher disse que era bem-aventurado o ventre que trouxe Jesus ao mundo. Jesus disse que antes seriam bem-aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam (cfr. Lc  11,27-28). Jesus afirmou que também a sua mãe, a quem aquela mulher chamou bem-aventurada, assim o seria por guardar a Palavra de Deus, por quem foi criada e nela se fez carne [9] 

Os Padres da Igreja colocaram Maria Santíssima, como uma mulher escolhida por Deus para gerar na carne o Filho de Deus, o Salvador da humanidade. Ela foi uma pessoa que disse sim ao plano do Senhor, de modo que o Redentor entrou na realidade humana. Vivamos a dimensão da unidade com o Senhor Jesus tendo presente que os pedidos que fizermos à Maria serão conduzidos ao seu Filho, Jesus Cristo.

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