Direitos humanos e a encarnação do verbo 

Dom Luiz Fernando Lisboa
Arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim (ES)

 

A fé cristã proclama que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Este versículo, frequentemente associado ao mistério do Natal, é também um dos fundamentos teológicos mais profundos da dignidade humana. Nele, a Igreja reconhece que Deus assumiu a condição humana não como aparência, mas como realidade, solidarizando-se com cada pessoa. A partir da Encarnação, a dignidade humana deixa de ser apenas princípio ético ou jurídico e se torna verdade revelada. Por isso a Igreja proclama: “A alegria e a esperança, a tristeza e a angústia dos homens de hoje… são também a alegria e a esperança, a tristeza e a angústia dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes, 1).  Assim, compreendemos que:  

 A Encarnação é o fundamento da dignidade humana: Ao assumir a carne humana, Cristo elevou a humanidade a uma dignidade inigualável. O Concílio Vaticano II afirma: “O mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado” (Gaudium et Spes, 22). 

Portanto, a defesa dos direitos humanos não é opcional para a fé; é consequência direta do mistério cristológico. Cada violação da dignidade humana contradiz o movimento de Deus que se fez próximo, sensível e solidário, como proclamado por Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). 

A Encarnação denuncia as injustiças: Jesus, Verbo encarnado, nasce pobre, vive como refugiado (cf. Mt 2,13-15), assume uma vida dos simples e anuncia liberdade aos oprimidos (cf. Lc 4,18). A Igreja reconhece, por isso, que os direitos humanos são expressão contemporânea do mandamento do amor, e que sua violação fere o próprio Cristo: “O que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). 

São João Paulo II enfatiza: “O respeito pelos direitos humanos é a chave para a paz verdadeira” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1999). 

E o Papa Francisco acrescenta: “A dignidade dos outros não é para nós algo opcional ou secundário” (Fratelli Tutti, 39). 

Desse modo, a Encarnação denuncia toda forma de desumanização: pobreza extrema, racismo, violência contra mulheres, crianças e minorias, discriminação de migrantes e exclusão dos mais frágeis. Cristo toma partido: está ao lado dos pequenos, dos vulneráveis, dos descartados. 

Os Direitos humanos são extensão da missão de Cristo: A defesa dos direitos humanos não é ativismo político, mas continuidade da missão de Jesus, que veio “anunciar a boa-nova aos pobres… libertar os oprimidos” (Lc 4,18). 

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Art. 1). A Igreja reconhece nessas palavras uma convergência profunda com o Evangelho.  

São João XXIII, na Pacem in Terris, declarou: “Todo ser humano é pessoa, e como tal possui dignidade e direitos que são universais e invioláveis” (nº 9). Assim, promover os direitos humanos significa, para o cristão, prolongar na história a compaixão do Verbo encarnado. 

A caridade e a justiça se unem: “A caridade supõe e supera a justiça” (Bento XVI, Deus Caritas Est, 28). 

A dimensão comunitária é a base da dignidade humana: A Encarnação revela que o ser humano é relacional: Deus entra na história criando comunhão. Por isso, os direitos humanos não podem ser reduzidos a garantias individuais, mas estruturam a vida social, a participação e o bem comum. 

O Papa Francisco ensina: “O amor que se estende além das fronteiras constrói fraternidade universal” (Fratelli Tutti, 1). 

A comunidade cristã, assim, é chamada a ser testemunha da fraternidade, atuando na promoção da justiça, no cuidado dos vulneráveis e no compromisso com políticas que protejam a vida em todas as suas fases.  

A esperança escatológica é que sustenta a luta por direitos: O cristianismo não ignora as dores do mundo. Reconhece que a dignidade humana é ferida por estruturas de pecado (cf. Sollicitudo Rei Socialis, 36). Porém, a Encarnação sustenta uma esperança ativa: “Vi a aflição do meu povo… desci para libertá-lo” (Ex 3,7-8). 

A luta pela justiça nasce dessa certeza: Deus entra na história e caminha conosco. Cada gesto de defesa da vida, cada promoção de direitos, cada construção de paz antecipa o Reino que Cristo inaugurou: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). 

Por fim, defender os direitos humanos é, para o cristão, uma das maneiras de expressar a fé no Deus que se fez carne. Onde a dignidade é protegida, Cristo é honrado; onde a vida é ferida, Cristo é novamente crucificado. A Encarnação do Verbo continua a inspirar a Igreja a afirmar que o cuidado com o ser humano é cuidado com o próprio Deus presente na história. Promover os direitos humanos é tornar o mundo mais conforme ao Evangelho, mais parecido com o sonho de Deus para a humanidade. 

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