Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Quando chegam os primeiros dias do Advento, minha memória sempre retorna àquela cena doméstica que marcou a minha infância: meu pai começando a preparar o material para o presépio. Era quase um ritual. Enquanto minha mãe cuidava da árvore, que nós chamávamos de “pinheirinho” meu pai assumia a missão de transformar um canto da sala da casa numa pequena Belém. E ele fazia isso de modo pedagógico, envolvendo os filhos na construção da gruta, como quem ensina um ofício sagrado.
Lembro-me do cuidado dele ao tingir a serragem que seria a grama do presépio, espalhando os tons de verde para dar mais vida ao cenário. Depois, vinham os papéis pintados à mão, pacientemente amassados e moldados, para parecerem pedras reais. A gruta se erguia devagar, entre risos, poeira colorida, pincéis, cola e aquela expectativa que só as crianças conhecem. Meu pai também cuidava das luzes, porque – como ele dizia – a manjedoura precisava brilhar, mas brilhar com humildade.
Meu pai partiu cedo. Mas, até hoje, nos dias que antecedem o Natal, é como se suas mãos continuassem ali, ensinando, orientando, construindo. Essa memória não é apenas lembrança; é formação. Foi ali, naquele presépio simples, que aprendi que a fé se transmite pelos olhos, pelas mãos, pelo convívio, pelo amor concreto de uma família que prepara o coração para o Natal. Montar o presépio era mais que montar um cenário: era aprender a viver o Nascimento de Jesus Cristo.
O presépio como escola de fé
É nesse espírito que o Papa Francisco escreveu a carta apostólica Admirabile Signum, recordando ao mundo a importância de manter viva essa tradição. Segundo ele, o presépio é um “sinal admirável”, capaz de reacender a memória da fé e tocar o coração. O presépio nos educa porque fala através dos símbolos e desperta aquela ternura que nos aproxima de Deus.
De fato, montar o presépio hoje é um gesto contracultural. Em meio à pressa, ao consumo exacerbado e à superficialidade das imagens, o presépio nos obriga a parar e contemplar. Ele devolve profundidade ao Natal, lembrando que o centro da festa não é a árvore iluminada nem os presentes, mas o Deus que se faz pequeno numa manjedoura. O presépio é uma miniatura da humildade divina — um Evangelho moldado em figuras simples.
Cada peça carrega significados que atravessam gerações. Os pastores representam os pobres e esquecidos que Deus coloca em primeiro lugar. Os Magos lembram a universalidade da fé, que abraça todos os povos. A luz discreta nos conta que a esperança não entra no mundo com estrondo, mas com suavidade. A gruta evoca nossas próprias sombras, que Cristo vem iluminar. E no centro, sempre, o Menino – tão frágil que cabe no colo, tão grande que sustenta o mundo.
Tradição que se torna missão
Por isso, montar o presépio é também criar memória espiritual. É oferecer às crianças — como fez meu pai — a herança de uma fé concreta, vivida, encarnada. O presépio instalado na casa se torna catequese visual: fala de proximidade, simplicidade, humildade e amor.
O Papa Francisco destaca que o presépio toca o coração mesmo de quem não participa da vida da Igreja. Ele revela a ternura de Deus e recorda que a fé cristã nasce da contemplação de um mistério que se entrega. Por isso, o presépio não é apenas tradição; é anúncio. Ele evangeliza porque emociona. Ele ensina porque comove. Ele reúne porque desperta comunhão. E quando as mãos das crianças ajustam a gruta, quando colocam a serragem, quando alinham as figuras, um aprendizado precioso se transmite: o Natal começa no coração.
