O mistério silencioso que antecede o Natal: combater o medo para que Jesus nasça na sua vida! 

Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR) 

 

Irmãos e irmãs, 

Chegamos ao quarto domingo do Advento, às portas do Natal. Já não estamos apenas no tempo da espera: estamos no limiar do acontecimento decisivo da história. A liturgia de hoje concentra o nosso olhar não no Menino da manjedoura, mas no mistério silencioso que antecede o Natal, no drama humano e espiritual que Deus escolhe para realizar a sua promessa. 

A primeira leitura, do profeta Isaías – Is 7,10-14 –, apresenta-nos um sinal desconcertante: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (Is 7,14). O contexto é de medo, instabilidade política e insegurança. O rei Acaz não confia, não quer pedir sinal algum. Mesmo assim, Deus dá o sinal. Isso é importante: Deus age mesmo quando o homem hesita, mesmo quando a fé é frágil. O sinal não é força militar, nem triunfo político, mas uma criança. O Emanuel — Deus conosco — entra na história não impondo-se, mas oferecendo-se. 

O Salmo 23(24) responde com uma pergunta decisiva: “Quem é este Rei da glória?” A resposta que a liturgia prepara é clara: o Rei da glória entra não em palácios, mas na precariedade da condição humana. O Advento vai desmontando nossas falsas expectativas de um Deus distante, poderoso apenas nos moldes humanos. 

Na segunda leitura, São Paulo, ao escrever aos Romanos – Rm 1,1-7 –, afirma que Jesus é “descendente de Davi segundo a carne” e, ao mesmo tempo, “constituído Filho de Deus com poder” (Rm 1,3-4). Aqui está o núcleo da fé cristã: o mesmo que é verdadeiramente homem é verdadeiramente Deus. Não há divisão, não há aparência. O Natal não é poesia religiosa: é afirmação radical de que Deus entrou na nossa história concreta, com tudo o que ela tem de limite, conflito e dor. 

Mas é o Evangelho de São Mateus – Mt 1,18-24 – que nos coloca diante do coração deste domingo. Não é Maria quem ocupa o centro da narrativa, mas José. Um homem justo, silencioso, ferido, confuso. José descobre que Maria está grávida. Do ponto de vista humano, tudo parece perdido. O texto não romantiza a situação. José sofre. E sofre em silêncio. Ele decide afastar-se, não por covardia, mas por justiça. Aqui está um ponto fundamental: José é justo porque não quer salvar a si mesmo, mas proteger Maria. 

É nesse momento que Deus intervém. O anjo não aparece quando tudo está resolvido, mas quando José já tomou sua decisão. Deus entra no meio da crise, não fora dela. E a ordem é clara: “Não tenhas medo de receber Maria” (Mt 1,20). O medo é o grande obstáculo da fé. O Advento inteiro é um combate contra o medo: medo de perder, medo de confiar, medo de acolher o que não compreendemos. 

José obedece. Não faz discursos, não pede explicações adicionais, não exige garantias. Ele acolhe. Acolhe Maria, acolhe a criança, acolhe um plano que não é seu. José ensina que a fé não é entender tudo, mas confiar mesmo sem entender. Ele dá nome ao Menino. E, ao dar o nome, assume responsabilidade, assume missão, assume o risco. 

O nome é revelador: Jesus, “Deus salva”. E Mateus insiste: Ele será chamado Emanuel, “Deus conosco”. Não é apenas um dado teológico; é uma afirmação existencial. Deus não está acima da história olhando de longe. Ele está conosco, na confusão, no sofrimento, nas decisões difíceis, nos silêncios que ninguém vê. 

Este quarto domingo do Advento confronta-nos com uma pergunta direta: estamos dispostos a acolher Deus do modo como Ele vem, ou apenas do modo como gostaríamos que Ele viesse? José teve de renunciar ao controle, à reputação, às certezas. O Natal só acontece onde há espaço para essa renúncia. 

Às vésperas do Natal, a liturgia não nos convida à euforia, mas à disponibilidade interior. O presépio começa no coração que aceita que Deus rompa nossos esquemas. Celebrar o Natal sem essa conversão é reduzir o mistério a folclore religioso. 

Peçamos, neste domingo, a graça de aprender com José: a justiça que sabe obedecer, a fé que sabe confiar, o silêncio que sabe acolher. Que o Emanuel encontre em nós não resistência, mas morada. E que, ao celebrar o Natal, possamos dizer com verdade: Deus está conosco — e nós estamos com Ele. 

 

 

 

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