Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Há cenas que atravessam os séculos com a força discreta de um sussurro. Belém, noite silenciosa, uma criança envolta em faixas, o brilho improvável de uma luz que não se explica. O Natal nasce dessa imagem — não de um espetáculo, mas de um gesto quase invisível que transforma a história: Deus vem ao encontro da humanidade fazendo-se pequeno.
A força na simplicidade
A narrativa cristã insiste na simplicidade. O sinal oferecido aos pastores, homens pobres de um povo pobre, é desconcertante: não um trono, não um guerreiro, mas um recém-nascido deitado numa manjedoura. É ali, no fundo de um estábulo, que resplandece a glória divina — uma glória que não ofusca, mas aproxima. O Natal subverte as expectativas humanas, revelando que a verdadeira força se manifesta na vulnerabilidade.
Esse é, talvez, o símbolo mais decisivo dessa festa: Deus escolhe a pobreza para falar ao coração do mundo. Enquanto tantos procuram grandiosidade, sucesso ou poder, o ícone autêntico do Natal aponta para uma outra direção — o caminho da humildade. A manjedoura desmente a lógica das ambições humanas e inaugura uma nova forma de compreender a vida: o extraordinário pode morar no ordinário.
A tradição cristã dos primeiros séculos falava desse mistério como admirabile commercium — a “maravilhosa troca”: o Eterno reveste-se do tempo, o Todo-poderoso assume a fragilidade humana, para que o homem seja elevado à dignidade de filho de Deus. É essa troca silenciosa e revolucionária que confere ao Natal sua força simbólica e universal.
A alegria para todos
Mas essa mensagem corre sempre o risco de ser encoberta. Se os cristãos se esquecem do vínculo entre a pobreza do Menino e a grandeza de Deus, o Natal perde sua espessura. Torna-se apenas um pretexto de consumo, de “bondade” rápida e sem profundidade, de luzes que brilham por algumas horas e desaparecem na manhã seguinte. A noite de Belém, no entanto, não se apaga com o tempo: ela continua refletindo a luz que deve iluminar as trevas de cada época.
A teologia do Natal aponta um convite: entrar na lógica da comunhão. Aquele que nasceu pobre caminhou entre os pobres e fez da vida comum um lugar de milagres simples — o pão partilhado, a cura que reconcilia, a palavra que fortalece, a presença que acolhe. A salvação anunciada na manjedoura é, antes de tudo, o restabelecimento dos vínculos rompidos, a vida reencontrada para além da morte e da desesperança.
Por isso, o Natal não é propriedade de alguns nem privilégio reservado a poucos. A alegria que ele acende não pode ser retida, apropriada ou transformada em exclusividade. O Evangelho recorda: é uma alegria “para todo o povo”. E justamente por ser universal, ele se oferece novamente a cada ano como um chamado: reencontrar no outro o rosto da humanidade comum, superar divisões, reconhecer que o que nos une é maior do que o que nos separa.
A esperança que o Natal anuncia permanece atual. Em um mundo marcado por conflitos, medos e incertezas, a imagem da criança frágil repousando na manjedoura recorda que Deus não abandona sua criação. Ele entra na história, assume nossas dores e inaugura um caminho de sentido. Quem contempla essa luz compreende que a noite não tem a última palavra.
Nesse tempo em que tantos buscam respostas, o Natal fala baixinho — mas com a força de quem conhece o coração humano. É o convite a uma vida mais simples, mais autêntica, mais aberta aos outros. É a certeza de que, no silêncio da fé, Deus continua a nascer onde menos se espera.
Sim, o Natal é a festa da esperança — e essa esperança, como o Menino de Belém, é oferecida a todos.
