Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
No quarto Domingo do Advento, a Igreja já não fala do avolumar da esperança, mas do limiar de um acontecimento. O tempo estreitou-se e o mundo já escuta os passos de quem chega. Por isso, o Evangelho nos oferece uma cena íntima na delicadeza de uma casa, de um noivado, do coração humano atravessado pela ansiedade da espera.
É neste limiar que Mateus apresenta José, um homem de sentimentos profundos, um justo! Alguém para o qual a Lei não é uma arma, mas uma forma de reverência. Por isso, o drama lhe ronda diante da necessidade de uma decisão difícil.
Veio a acontecer que Maria, sua promessa esposa, aparece grávida “antes de coabitarem” (Mt 1,18). Num mundo em que a vida podia ser tirada por um boato, José se vê encurralado entre os dois abismos de expô-la publicamente, e ferir aquilo que mais mais amava, ou romper em silêncio e desobedecer a lei.
O Evangelho diz que ele “resolveu deixá-la em segredo” (Mt 1,19). A teologia católica percebe algo do Mistério nesse gesto.
Há leituras antigas, recolhidas pela tradição patrística, que enxergam no seu recuo a prudência diante do escândalo, mas também uma espécie de temor sagrado, como quem se percebe pequeno diante da obra de Deus e, por reverência, se retira.
É então que o anjo lhe vem. A Anunciação, no relato de Mateus, acontece no domínio interior da reflexão. “Enquanto ele pensava nisso…” (Mt 1,20) Deus lhe apareceu, pois onde a pessoa humana reflete, calcula, tenta salvar o que pode, Deus aí está.
A recomendação do anjo para não temer é um convite a aprofundar a fé, não é uma explicação. A tradição nota que o anjo não diz não suspeites, mas “não temas”, porque, para José, não se tratava apenas de entender; tratava-se de atravessar um medo real. Medo de errar diante de Deus, medo de destruir a vida de Maria, medo de desobedecer a lei.
Enquanto, para Maria, o anúncio do anjo é Boa-Nova em forma de Evento, para José é o anúncio da salvação concreta de uma situação pessoal. É a mão de Deus entrando no instante em que a honra, amor e lealdade podiam ser destruídos pela interpretação humana. Um preanuncio de que Deus está entrando na história.
Ao contemplar esse acontecimento, João Paulo II observa que José recebeu Maria com todo o mistério da sua maternidade, e que sua disponibilidade tem uma analogia profunda com o dela, pois ambos consentem, cada um à sua maneira, no que Deus lhe pede. O Papa Francisco, ao ler esse movimento interior, descreve José como mestre de um acolhimento da vida como ela é, inclusive com contradições, imprevistos e desilusões para descobrir um significado oculto que Deus revela nessas situações limítrofes.
José “fez como o anjo do Senhor lhe ordenara” (Mt 1,24). Momento no qual ele não está apenas aceitando Maria; está salvando Maria do tribunal dos olhares, salvando a criança do anonimato legal, salvando a própria história da amargura. E está, sobretudo, sendo salvo. Salvo da tentação de interpretar sozinho o que só pode ser compreendido em Deus; salvo do orgulho de decidir sem escutar; salvo do desespero de achar que a pureza de Maria era uma acusação contra ele. O anúncio a José é a misericórdia de Deus aplicada ao concreto da vida quando a vida parece perdida.
Então o anjo lhe confiou algo mais, ao dizer: “Tu lhe porás o nome de Jesus” (Mt 1,21). Nomear, é assumir responsabilidade, é inserir na história e José passa a participar do Mistério pela obediência e lealdade. Ele é introduzido no centro da Encarnação pelo exigente caminho da fidelidade que transforma um homem justo em guardião dos desígnios de Deus.
E, assim, quando se fala da Anunciação, é preciso lembrar que há uma alegria que canta em Maria e há uma alegria que resgata em José, pois Deus não vem apenas para gerar um Filho no mundo; vem também para redimir as histórias humanas das suas tragédias, e fazer delas morada de seu próprio amor.
