Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
Dentro dos encantamentos do mistério celebrado do Natal a Igreja, Mãe e Mestra, nos presenteia com a Festa da Sagrada Família. O Deus que se vestiu de menino frágil e se apresentou aos homens no presépio de Belém encontrou abrigo numa família humana, a família de José e de Maria, dois jovens esposos de Nazaré, uma aldeia situada nas colinas da Galileia. Neste domingo, ainda em contexto de celebração do Natal do Senhor, a liturgia convida-nos a olhar para essa Sagrada Família; e propõe-nos que a vejamos como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares.
Na primeira leitura – Eclo 3,3,2-7.14-17a – um sábio israelita do séc. II a.C., empenhado em preservar os valores tradicionais do seu povo, convida os seus concidadãos a amarem e a honrarem os pais em todos os momentos da vida. Garante que Deus não esquecerá aqueles que assim procederem. Amar, acolher e respeitar os pais – e os idosos –, além de ser direito deles e um dever, traz benefícios aos próprios filhos. Honrar significa amar, perdoar, respeitar, ajudar nas necessidades. Amando e honrado aos pais, estaremos amando e honrando o próprio Deus, Pai de todos. O autor sagrado discorre melhor sobre o Mandamento de honrar pai e mãe: “Quem honra o seu pai, alcança o perdão de seus pecados” (Eclo 3,4a); e ainda: “Quem respeita a sua mãe é como alguém que ajunta tesouros” (Eclo 3,5).
Na segunda leitura – Cl 3,12-21 – Paulo de Tarso lembra-nos que a opção por Cristo deve traduzir-se, na vida do dia a dia, em comportamentos compatíveis com a realidade do Homem Novo. Vivendo ao ritmo do amor, conforme as indicações de Cristo, devemos vestir-nos “de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência”, cuidando uns dos outros e perdoando as debilidades dos irmãos. Dessa forma seremos no mundo testemunhas e arautos da fraternidade. São Paulo propõe a convivência fraterna na família e na comunidade. O ideal da família é viver em unidade e em amor partilhado. Na família não pode faltar misericórdia, bondade, paciência e perdão. O texto conclui com um conselho a cada membro da família, para que todos possam viver no amor, no respeito e na paz.
No Evangelho – Mt 2,13-15.19-23 – Mateus oferece-nos uma “foto” a cores da família de Jesus. É, antes de mais, uma família que conta com Deus e que vive de Deus: escuta as indicações de Deus, aceita percorrer os caminhos de Deus, confia incondicionalmente em Deus. É, também, uma família unida, solidária, fraterna, onde cada um pode contar com o apoio incondicional dos outros, onde ninguém é descartado e deixado para trás, onde cada um é querido, cuidado, protegido e amado. É assim que se constrói uma família capaz de superar todas as provas e crises que a vida trouxer.
O Evangelho mostra o destino de Jesus, que desde criança é rejeitado e perseguido pelos poderosos e procurado e querido pelo povo. Como todas as outras, a Família de Nazaré não está isenta das tribulações. Sua realidade lembra a das famílias de todos os tempos, perseguidas pela violência, sem-terra, sem moradia e sem trabalho.
Destaquemos, com letras de ouro, o papel fundamental de José, quando o Anjo ordena-lhe: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito!” (Mt 2,13). Esta fuga recorda o antigo êxodo. A seu tempo, Jesus, o novo Moisés, partirá da Galileia para um novo êxodo. Muitos, desde os tempos de Jesus, continuam experimentando a experiência da fuga porque onde se encontram há perigo, guerra e violência. Estas pessoas, como a Sagrada Família, experimentam a precariedade, o medo e a dor de ter de deixar forçosamente seu lugar de origem. Herodes e José são dois personagens opostos, que refletem os dois lados da humanidade. Herodes importa-se apenas com a defesa do seu poder a todo custo, mesmo que, para tanto, seja necessário empregar a violência para mantê-lo. É pessoa prepotente. José, de sua parte, enfrenta todos os tipos de dificuldades para defender a vida de Jesus e de Maria. Sua atitude nos ensina que, para enfrentar as dificuldades, é necessário coragem. É pessoa justa e corajosa.
Que as famílias – nas dolorosas situações de tantas divisões hodiernas, potencializadas pelas redes sociais, possam ser sacrário da vida e tabernáculo da misericórdia, da compaixão, da partilha e da santidade. As famílias têm a insubstituível missão de ser sal na terra e luz no mundo. A Igreja e o mundo precisam de seiva que vem das famílias, tal qual a árvore da água. Que a coragem de São José seja fonte de inspiração para as nossas famílias.
Que Jesus, Maria e José sejam verdadeiras luzes a iluminar nossos dilemas humanos de hoje e que possamos – enquanto família – imitar seus exemplos de vida, confiança absoluta em Deus e de fé.
