Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A Campanha da Fraternidade 2026 traz como tema “Fraternidade e Moradia” e como lema “Ele veio morar entre nós” (Jo 1,14). Trata-se de uma proposta profundamente evangélica, pastoralmente urgente e teologicamente consistente, que toca o coração da fé cristã e interpela diretamente a consciência e a prática dos discípulos de Jesus.
Inspirada no mistério da Encarnação, a Campanha convida-nos a contemplar, com olhar de fé, a realidade da moradia em nosso país e em nosso território. O lema bíblico remete-nos ao núcleo da fé cristã: o Verbo eterno de Deus fez-se carne, entrou na história, assumiu a fragilidade da condição humana e escolheu habitar no meio de nós.
Ao celebrarmos o Natal do Senhor, fazemos memória de um acontecimento que jamais pode ser romantizado ou esvaziado de sua força profética. O Filho de Deus não nasceu em um palácio, mas em uma estrebaria; não teve um teto digno, mas um abrigo improvisado; não encontrou lugar na hospedaria. O Salvador do mundo nasceu como um sem-teto, na pobreza, na simplicidade e na extrema vulnerabilidade. Nasceu dependente da acolhida dos outros.
Esse dado não é acidental. Ele revela um traço essencial do modo como Deus age. Ele se aproxima dos pobres, identifica-se com os excluídos e faz da fragilidade humana o lugar privilegiado de sua presença. À luz do presépio, compreendemos que a falta de moradia digna não é apenas um problema social ou econômico, mas uma ferida aberta na fraternidade humana e um sério desafio ao Evangelho.
Por isso, a Campanha da Fraternidade 2026 interpela-nos, como cristãos e como pastores, a renovar o nosso olhar e a nossa prática pastoral. Ela nos chama a reconhecer o rosto de Cristo nas pessoas em situação de rua, nas famílias que vivem em moradias precárias, nas ocupações, nas periferias urbanas e rurais; a fortalecer a presença eclesial junto aos que não têm casa, articulando fé, caridade e compromisso social; a evitar uma pastoral desencarnada, restrita ao espaço do templo, assumindo uma Igreja que “arma sua tenda” no meio do povo, especialmente onde a vida está mais ameaçada; a integrar a Campanha da Fraternidade ao conjunto da ação pastoral, não como iniciativa paralela, mas como expressão concreta da dimensão social da fé naquele Deus que, sendo rico, se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (cf. 2Cor 8,9).
Como cristãos, somos chamados a ajudar nossas comunidades a compreender que a moradia digna é um direito humano fundamental e que a fé cristã não pode permanecer indiferente diante do drama de irmãos e irmãs que não têm onde morar. A reflexão proposta pela Campanha da Fraternidade 2026 não se reduz a um exercício sociológico ou à análise fria de dados e estatísticas; ela se torna um verdadeiro exercício espiritual quando realizada com o olhar fixo no presépio.
Diante da manjedoura, aprendemos que Deus quis precisar de um abrigo humano para manifestar o seu amor. Que essa contemplação nos conduza a uma conversão mais profunda: conversão do coração, da sensibilidade e das opções pastorais; conversão que nos comprometa com uma Igreja solidária, simples, próxima e misericordiosa, especialmente com os mais pobres, os sem teto e os sem proteção.
Que este Natal nos ajude a caminhar juntos, com discernimento e esperança, para que sejamos, cada vez mais, sinal de acolhida, de cuidado e de fraternidade, construindo uma sociedade em que ninguém se sinta sem casa, sem lugar e sem dignidade.
