A dimensão social da evangelização 

Dom Jaime Vieira Rocha 
Arcebispo de Natal (RN)

No capítulo IV da Exortação apostólica Evangelii gaudium (A alegria do Evangelho) do Papa Francisco, intitulado “A dimensão social da evangelização”, encontramos exposta a relação que existe evangelização e promoção social. Afirma o Papa Francisco que se esta dimensão não for devidamente explicitada corre-se o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora (EG 176). O primeiro fator que determina esta relação está presente nas repercussões comunitárias e sociais do querigma. Este, já no seu primeiro anúncio, tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade (EG 177). 

A conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana tem seu fundamento na apresentação da fé cristã que reconhece o infinito amor de Deus Pai pelo homem, conferindo-lhe uma dignidade infinita. E mais, ao assumir a carne humana o Filho de Deus revela para nós que cada pessoa humana foi elevada até ao próprio coração de Deus. O amor sem limites que Deus tem por nós se manifesta ainda mais no reconhecimento de que Jesus deu o seu sangue por nós. A redenção realizada na cruz não redime só individualmente, mas afeta também as relações sociais entre os homens: tudo fica redimido. O próprio Espírito Santo procura permear toda a situação humana e todos os vínculos sociais. É o mistério santo da Trindade que impede de pensarmos que podemos realizar-nos e salvar-nos sozinhos, pois, criados à imagem da comunhão divina só nos realizamos nesta comunhão, que inclui a comunhão com os nossos semelhantes. 

Este é o fundamento primeiro da relação entre evangelização e promoção humana. Aceitar este fundamento ou aceitar que o primeiro anúncio consiste nesta realidade, ou seja, a comunhão trinitária funda a comunhão entre nós, leva-nos a uma primeira e fundamental reação: desejar, procurar e ter a peito o bem dos outros (EG 178). Em primeiro ligar, o anúncio nos ensina que no irmão está o prolongamento permanente da Encarnação, para a vida de cada um de nós. Esta afirmação do Papa Francisco nos remete ao reconhecimento de que nenhuma espiritualidade privativa, isto é, a relação “Deus e eu somente”, faz justiça ao significado da Palavra de Deus. O exemplo de Jesus, suas palavras, seus gestos de amor e de compaixão pelos outros mostram que é necessário sair de si para o irmão. Aqui está, afirma o Papa Francisco, “um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus” (EG 179). Todos necessitam reconhecer que esta íntima conexão entre anunciar o Evangelho e fazer o bem ao irmão brota inevitavelmente da natureza da Igreja. Assim como a Igreja é missionária por natureza, assim também, por natureza, a Igreja deve sempre ter caridade efetiva para com o próximo. Esta caridade compreende, assiste e promove. 

O Papa Francisco reconhece que cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus a serviço da libertação e da promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade (EG 187). A Palavra de Deus está cheia do testemunho de que Deus, o Bom Pai, ouve o clamor dos pobres. Desde a experiência do êxodo, paradigma da ação de libertação do pobre por parte de Deus, a Escritura apresenta Deus como o defensor dos mais fracos, dos pobres (cf. Ex 3,7-8.10; Jz 3,15; Dt 15,9; Eclo 4,6; 1Jo 3,17; Tg 5,4: os clamores…chegaram aos ouvidos do Senhor do universo). Para o Papa o imperativo de ouvir o clamor dos pobres faz-se carne em nós, quando no mais íntimo de nós mesmos nos comovemos à vista do sofrimento alheio. É uma atitude de misericórdia que se deve ter sempre, como atesta a própria Palavra de Deus. Esta tem uma mensagem tão clara, tão direta, tão simples e eloquente que nenhuma hermenêutica (interpretação) eclesial tem o direito de relativizar (cf. EG 194). 

É uma exigência que a Igreja reconheceu como “derivada da própria obra libertadora da graça em cada um de nós”, pois como afirma Papa Francisco: “não se trata de uma missão reservada apenas a alguns”. Toda a Igreja é chamada a ser guiada pelo Evangelho da Misericórdia, pela solidariedade. 

 

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