Se a existência humana se mostra como abertura para o mistério, então acolher na fé esse mistério é graça e, ao mesmo tempo, suprema realização da inteligência e da liberdade. Estamos naturalmente falando da revelação de Deus, à porta de quem a inteligência humana, pesquisando seus vestígios na natureza e na própria existência, vem postar-se na suplicante expectativa de que essa porta lhe seja aberta pela misericordiosa bondade daquele mesmo que a fez assim, faminta da suprema verdade. É nesse sentido que a carta encíclica “Fé e Razão” afirma que “uma implica a outra” (nº 17).
A revelação só é possível se a razão humana for capaz de recebê-la e reconhecê-la como manifestação livre, pessoal e generosa daquela Verdade que essa mesma razão sabia presente, embora oculta, como fundamento transcendente da própria existência e da existência da totalidade do universo. A fé, como resposta obediente á revelação divina, pressupõe, pois, que a razão humana, debruçando-se sobre a realidade criada, seja capaz de chegar ao conhecimento da existência e da bondade do Criador, estando por isso permanentemente aberta a uma possível revelação pessoal de Deus.
Por ser resposta à livre revelação de Deus, a fé é graça, fruto do sopro interior do Espírito na inteligência e no coração do ser humano: “a verdade que a Revelação nos dá a conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão. Pelo contrário, aquela se apresenta com a característica da gratuidade, obriga a pensá-la, e pede para ser acolhida, como expressão de amor” (Fé e Razão, nº 15).Sem profunda humildade não se pode chegar a fé.
A razão nos leva à soleira do mistério. Pela revelação o mistério insondável de Deus se abre para nós como puro dom, revelando-se a nós e revelando para nós a razão última da grandeza e da dignidade de nossa inteligência: poder entrar na posse pessoal da verdade do próprio Deus. Esse encontro com a revelação abre para a razão um horizonte novo, inesperado e surpreendente, pois introduz-nos no inesgotável mistério da infinita e suprema verdade.
A fé jamais pode ser pensada como negação da inteligência; pelo contrário, ela é um ato de entrega amorosa e agradecida do ser humano ao mistério da verdade suprema, sua razão de ser e razão de sua incessante busca. Há pessoas que se gabam de ter uma religião cientificamente fundamentada, filosoficamente fundada e plenamente dentro dos limites da razão humana, sem mistérios.
Houve uma época – aí pelo se. XVIII – que alguns pensadores imaginaram uma religião puramente natural, sem revelação, fundada tão somente na capacidade da razão humana. Deus seria tão somente o supremo arquiteto, uma figura exigida pela lógica da razão para justificar a existência do universo. Um Deus assim teria as dimensões da razão humana; não seria Deus e nem seria capaz de responder ao anseio do coração humano à procura de uma verdade superabundante na qual ele pudesse saciar sua infinita fome de ser.
A verdade revelada é mistério não porque, impenetrável, lança nas trevas o entendimento humano, mas sim porque se constitui em um abismo de luz que inunda o pensar e o sentir do homem, oferecendo-se sempre de novo como resposta inesgotável ao infinito desejo da criatura finita. O ato de fé é, na terra, a realização suprema da inteligência humana feita que foi para consumar-se na posse da Verdade.
Crer, entretanto, é graça somente acolhida por aqueles que buscam de todo coração o mistério de Deus. Esses são os pequeninos a que se refere Jesus: “eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25). Se desejamos crer, devemos cultivar um coração suplicante.