Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A quarta quinta-feira de novembro de 2025 marca, no calendário civil, o Dia Nacional de Ação de Graças. Embora a data tenha raízes históricas em nações do hemisfério norte, o espírito que a anima transcende fronteiras e encontra eco profundo na alma cristã. Mais do que um feriado ou uma tradição cultural importada, este dia nos oferece uma oportunidade preciosa: a de reposicionar o nosso olhar sobre a vida. A Igreja, em sua sabedoria milenar, vive a ação de graças diariamente. A própria palavra “Eucaristia”, centro e cume de nossa fé, traduz-se do grego exatamente como “ação de graças”. Portanto, celebrar a gratidão não é uma novidade para nós, mas um dever de justiça para com o Criador.
Escrevo estas linhas, contudo, com o coração voltado especificamente para a nossa realidade aqui no Rio de Janeiro. Olho para a nossa Arquidiocese, para as nossas comunidades, e sinto a urgência de vincular o ato de agradecer à necessidade imperiosa de paz e concórdia. Vivemos tempos desafiadores. A nossa “Cidade Maravilhosa”, abençoada com uma geografia que canta a glória de Deus, enfrenta também as sombras da violência, da desigualdade e, muitas vezes, do desespero. Diante das manchetes que nos ferem e das dificuldades que batem à porta de tantas famílias, a pergunta surge natural e dolorosa: “Pelo que, afinal, devemos agradecer?”.
A resposta cristã exige coragem. Agradecemos não porque tudo está perfeito, mas porque Deus está presente. A ingratidão é a cegueira da alma; ela nos faz ver apenas o que falta, o que dói, o que foi perdido. A gratidão, ao contrário, é a luz que revela o que permanece. Quando agradecemos pelo dom da vida, pela saúde, pelo trabalho ou simplesmente pelo amanhecer, estamos afirmando que o mal não venceu. Estamos declarando que a esperança é mais forte que o medo.
Quero propor a cada carioca e fluminense, neste dia, um exercício espiritual: utilizar a gratidão como uma arma — a única arma legítima — na luta pela paz. Existe uma relação direta entre um coração grato e uma sociedade pacífica. Quem cultiva a gratidão reconhece que tudo o que tem é dom, é presente. E quem se sabe presenteado, sente o desejo de compartilhar, de estender a mão. O ingrato, por sua vez, julga-se credor do mundo; acredita que tudo lhe é devido e, nessa busca egoísta, atropela o próximo, gerando conflito e violência.
O Rio de Janeiro clama por concórdia. A etimologia desta palavra é belíssima e nos ensina muito: vem do latim cor, cordis. Ter concórdia significa ter os corações batendo juntos, no mesmo ritmo, unidos pelo mesmo ideal. A discórdia, por oposição, é a separação dos corações. Para vencermos a violência que assusta nossos bairros — do asfalto às comunidades —, precisamos mais do que estratégias de segurança; precisamos de uma revolução dos afetos, uma mudança interior que comece em nossas casas.
A paz social nasce na mesa da família que partilha o pão e agradece unida. Ela se fortalece no trânsito, quando a gentileza substitui a ofensa. Ela se consolida nas redes sociais, quando o diálogo respeitoso toma o lugar do ataque gratuito. Em cada um desses momentos, a gratidão é o tempero que muda o sabor da convivência. Quem agradece ao irmão, reconhece nele a dignidade de filho de Deus. E ninguém agride aquilo que reconhece como sagrado.
Neste Dia de Ação de Graças, faço um apelo veemente pela paz em nosso Estado. Que as armas se calem e os corações se abram. Que o Cristo Redentor, cujos braços abertos sobre a Guanabara são o maior símbolo de acolhimento do mundo, inspire nossas autoridades e cada cidadão a buscar o bem comum. Não deixemos que as tragédias endureçam nossa sensibilidade. Agradecer em meio à tribulação é um ato de fé e de resistência.
Preparamo-nos também para o Advento, tempo de espera e esperança. Que a gratidão de hoje prepare a manjedoura de nossos corações para o Natal que se aproxima. Que saibamos agradecer não apenas pelas grandes graças, mas pelos pequenos milagres cotidianos: o sorriso de uma criança, a mão estendida de um amigo, a força para recomeçar a cada dia.
Deus abençoe o Rio de Janeiro. Que a Virgem da Penha e São Sebastião intercedam por nós, para que transformemos nossa gratidão em compromisso com a vida e com a paz. A todos, um santo e abençoado Dia de Ação de Graças.
