Em abril de 2004 foi oficialmente dado a público o Compêndio de Doutrina Social da Igreja (CDSI). É uma obra de vulto e que não pode faltar na Biblioteca do Católico interessado na construção de uma sociedade justa e que poderá ser um precioso auxílio do ponto de vista da ética política para pessoas honestamente interessadas. O grande princípio da Doutrina Social da Igreja, de onde ela deriva todo o conjunto de seu ensinamento, é a dignidade inviolável da pessoa humana e, conseqüentemente, a construção livre e amorosa da comunidade, entendida como comunhão de pessoas. Liberdade e solidariedade são a base de uma sociedade justa. Veja, leitor(a), como no CDSI nos oferece algumas considerações que ajudam a interpretar, do ponto de vista da ética social, a problemática – por alguns apelidada de TSUMANI – que está afligir as nações. Passo-lhe os textos tais como estão no original português, publicado pela Santa Sé.
“Os mercados financeiros não são certamente uma novidade da nossa época: já desde há muito tempo, por várias formas, eles cuidaram de responder à exigência de financiar atividades produtivas. A experiência histórica atesta que, na ausência de sistemas financeiros adequados, não teria havido crescimento econômico. Os investimentos em larga escala, típicos das modernas economias de mercado, não teriam sido possíveis sem o papel fundamental de intermediação exercido pelos mercados financeiros, que permitiu, entre outras coisas, apreciar as funções positivas da poupança para o desenvolvimento integral do sistema econômico e social. Se, por um lado, a criação daquilo que se tem definido como o «mercado global dos capitais» produziu efeitos benéficos, graças ao fato de que a maior mobilidade dos capitais consentiu às atividades produtivas alcançar mais facilmente a disponibilidade de recursos, por outro lado a maior mobilidade também aumentou o risco de crises financeiras.
O desenvolvimento da atividade financeira, cujas transações superaram sobejamente, em volume, as transações reais, corre o risco de seguir uma lógica voltada sobre si mesma, sem conexão com a base real da economia”. (n.368). Ainda: “Uma economia financeira, cujo fim é ela própria, está destinada a contradizer as suas finalidades, pois que se priva das próprias raízes e da própria razão constitutiva, ou seja, do seu papel originário e essencial de serviço à economia real e, ao fim e ao cabo, de desenvolvimento das pessoas e das comunidades humanas. O quadro completo manifesta-se ainda mais preocupante à luz da configuração fortemente assimétrica que caracteriza o sistema financeiro internacional: os processos de inovação e de desregulamentação dos mercados financeiros tendem, de fato, a consolidar-se somente em algumas partes do globo. Isto é fonte de graves preocupações de natureza ética, porque os países excluídos dos processos descritos, mesmo não gozando dos benefícios destes produtos, não estão, entretanto, protegidos de eventuais conseqüências negativas da instabilidade financeira sobre os seus sistemas econômicos reais, sobretudo se frágeis e com atraso no desenvolvimento.
A improvisa aceleração dos processos tais como o enorme incremento no valor das carteiras administradas pelas instituições financeiras e o rápido proliferar de novos e sofisticados instrumentos financeiros torna deveras urgente divisar soluções institucionais capazes de favorecer eficazmente a estabilidade do sistema, sem reduzir-lhe as potencialidades e a eficiência. É indispensável introduzir um quadro normativo que consinta tutelar tal estabilidade em todas as suas complexas articulações, promover a concorrência entre os intermediários e assegurar a máxima transparência em benefício dos investidores”.(n. 369). Agora vem, estimado leitor(a), uma constatação, que é também uma exigência ética: “
A perda de centralidade por parte dos atores estatais deve coincidir com um maior empenho da comunidade no exercício de um decidido papel de orientação econômica e financeira. Uma importante conseqüência do processo de globalização consiste, com efeito, na gradual perda de eficácia do Estado nação na condução das dinâmicas econômico-financeiras nacionais. Os Governos de cada País vêem a própria ação em campo econômico e social sempre mais fortemente condicionada pelas expectativas dos mercados internacionais dos capitais e pelos sempre mais prementes pedidos de credibilidade provenientes do mundo financeiro. Por causa dos novos liames entre os operadores globais, as tradicionais medidas defensivas dos Estados parecem condenadas insucesso e, em face das novas áreas da competição, passa ao segundo plano a própria noção de mercado nacional”(n.370).
Mais: “Quanto mais o sistema econômico-financeiro mundial alcança níveis elevados de complexidade organizativa e funcional, tanto mais se impõe como prioritária a tarefa de regular tais processos, orientando-os à consecução do bem comum da família humana. Vem à tona concretamente a exigência de que, além dos Estados nacionais, seja a comunidade internacional a assumir esta delicada função, com instrumentos políticos e jurídicos adequados e eficazes.”(n.371).