Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal (RN)
Na Carta Encíclica Lumen fidei, publicada em 29 de junho de 2013, o Papa Francisco usa uma expressão muito bela, bastante usada nos primeiros séculos da Igreja, e muito atual para a compreensão da missão: a Igreja é mãe de nossa fé (Lumen fidei, n. 37). Ela, a Igreja, gera homens e mulheres para a fé, sobretudo, com a consciência da Tradição. Este é um conceito muito importante na história da Igreja, objeto de reflexão de teólogos importantes do século XX, e o seu significado e sua relação com a Palavra de Deus e o Magistério da Igreja, foi apresentado no Concílio Vaticano II.
O exemplo mais claro do significado da Tradição vemos na expressão de São Paulo, destacada pelo Papa na Encíclica: “transmiti-vos aquilo que recebi” (cf. 1Cor 15,3). A argumentação de São Paulo se dá pela apresentação de dois pontos fundamentais da fé da Igreja: a Eucaristia (1Cor 11) e a Ressurreição do Senhor (1Cor 15). Para nós, fica bastante claro, como nos tornamos responsáveis pela fé: quem se abriu ao amor de Deus, acolheu a sua voz e recebeu a sua luz, não pode guardar este dom para si mesmo (idem, 37). Transmitir a fé, como luz que ilumina os passos da humanidade é o que significa a missão da Igreja que nos gera pela fé para a vida de comunhão com Deus e missão no mundo. A transmissão da fé é uma realidade que passa através do eixo do tempo, de geração em geração.
A fé não é só uma opção individual. Ninguém crê sozinho, recorda o Papa. Citando um dos escritores do século III, Tertuliano, lembra a realidade comunitária da fé e de sua transmissão: de fato, quem crê nunca está sozinho. “Assim o exprimiu vigorosamente Tertuliano ao dizer do catecúmeno que, tendo sido recebido numa nova família, depois do banho do novo nascimento, é acolhido na casa da Mãe para erguer as mãos e rezar, juntamente com os irmãos, o Pai Nosso” (Lumen fidei, n. 39).
A transmissão da fé se dá de forma especial pelos sacramentos. Eles são um meio especial que põe em jogo a pessoa inteira: corpo e espírito, interioridade e relações. Neles, afirma o Papa, comunica-se uma memória encarnada, onde a pessoa é envolvida num tecido de relações comunitárias (Lumen fidei, n. 40). A fé, por isso mesmo, tem uma estrutura sacramental, pois o despertar da fé passa pelo despertar de um novo sentido na vida do homem e na existência cristã. E isto acontece de modo particular nos Sacramentos da Iniciação cristã. Sempre lembrando: os Sacramentos apontam para a realidade invisível da Graça divina. E mais, como afirmava Santo Tomás de Aquino: “o ato de fé não termina no enunciado, mas na coisa em si”, isto é, os Sacramentos, sinais visíveis, apontam para a realidade invisível da graça amorosa e beatificante de nosso Deus, manifestada em Jesus Cristo e na força do Espírito Santo. E a Graça de Cristo presente em nós gera uma comunhão de vida que não é estática, mas dinâmica e, sobretudo, nos leva a vida de caridade para com todos os irmãos e irmãs.
Ao recomendar a leitura e a meditação da primeira Encíclica de Papa Francisco, quero ao mesmo tempo afirmar a necessidade de todos os agentes de pastoral, leigos e leigas engajados e consagrados, ministros ordenados, religiosos e religiosas, a que juntos assumamos o grande caminho de renovação de nossa catequese, a fim de que o dom da fé, luz para a nossa vida, dom que recebemos na Igreja, por sua geração no Batismo seja a grande força da missão à qual estamos comprometidos. Lembro a todos esse compromisso de nossa Igreja Particular para a transmissão da mesma fé, gerando homens e mulheres para a construção de um mundo melhor e mais justo.