O Santo Padre, Bento XVI, não pronunciou a conferência que, a convite do Reitor da Universidade “Sapienza”, de Roma, deveria ter apresentado no dia 17 de janeiro deste ano de 2008. A razão foi a reação de alguns professores e líderes estudantis que prometiam manifestações mais agressivas para a oportunidade. Sobre o episódio assim se pronunciou Fabio Mussi, ministro da República: “Eu não sou um crente. Não pertenço à Igreja Católica. E não compreendo por que o Papa Bento XVI não possa hoje pronunciar pessoalmente o discurso que enviou por escrito a esta cerimônia da “Sapienza” de Roma…É um texto que merece ser ouvido e discutido. Eu falo da Universidade, não de outra coisa. A Universidade é laica, isto é, livre, tolerante, aberta. Se existe um espaço no qual a regra á a palavra, a palavra de todos, este espaço é a Universidade”. Do prefeito de Roma, Walter Veltroni: “Quero dizer logo que o acontecido é, para um democrata, inaceitável. Quem ensina em uma universidade sabe bem que jamais pode acontecer, por nenhum motivo, que a intolerância casse a palavra, que não se permita que uma opinião seja expressa e escutada”…”Tive a oportunidade de ler o discurso do Papa nesta manhã. Um discurso aberto, inovador no horizonte do confronto e do diálogo”.
Sobre a alegada razão de que Bento XVI, em conferência de 1990, teria se pronunciado contra Galileu, defendendo irracionalmente o processo contra ele, Giorgio Israel, professor de matemática da referida Universidade, afirma que a posição dos professores que se opuseram à presença do papa “é unicamente expressão de um sentimento contra a pessoa mesma do Santo Padre”. O texto sobre Galileu, na conferência de 1990, era citação de um especialista em filosofia da ciência, por sinal agnóstico, que afirmou ter “a Igreja permanecido mais fiel à razão que o próprio Galileu”. O contexto dessa afirmação é fundamental para entender seu sentido. Em seu artigo, Giorgio Israel afirma que as críticas destes estudiosos ao pontífice se devem ao fato de não terem lido a conferência completa. Para Giorgio Israel esta “leitura desatenta, superficial e descuidada” da conferência do Papa, de 1990, deveria ser considerada “uma vergonha e um erro profissional”. Giorgio observa ainda que os autores do repúdio ao Papa “nunca disseram uma palavra crítica contra o fundamentalismo islâmico ou contra quem nega o Shoah (holocausto judaico)”. E continua: “esta é apenas uma manifestação da cultura secularista que não tem argumento, e, assim, demoniza, não argumenta como cultura verdadeiramente secular, mas cria monstros”…”Por isso a ameaça contra o papa é uma tragédia do ponto de vista cultural e cívico”.
Mas, o(a) leitor(a) com razão deve se perguntar sobre o conteúdo da reflexão de Bento XVI. O próprio papa se pergunta sobre o que deveria ele, como Papa, dizer na Universidade. Eis um de seus pensamentos: “O Papa fala como representante de uma comunidade crente – credente -, na qual durante os séculos de sua existência amadureceu uma determinada sabedoria de vida; fala como representante de uma comunidade que guarda um tesouro de conhecimento e de experiência ética, que é importante para toda a humanidade: neste sentido fala como representante de uma razão ética”. E afirma: “diante de uma razão a-histórica que busca se auto-construir exclusivamente mediante uma racionalidade a-histórica, a sabedoria da humanidade como tal – a sabedoria das grandes tradições religiosas – deve ser valorizada como realidade que não se pode impunemente jogar na cesta de lixo da história das idéias”
O papa continua sua reflexão perguntando-se sobre o que é uma universidade. Afirma que a Universidade tem sua origem na fome de conhecimento que caracteriza o ser humano. Este “quer saber sobre tudo o que o rodeia. Quer a verdade. Neste sentido se pode ver o interrogar-se de Sócrates como o impulso do qual nasceu a universidade ocidental” Mas, vem a pergunta: o que é a verdade? A verdade “puramente” científica sobre o “como do mundo”, com o poder tecnológico derivado, não responde ao apelo de verdade que mora no coração do ser humano. E, após citar Agostinho que afirmara que o simples conhecer nos torna tristes, explica; “de fato, quem vê e aprende apenas aquilo que se verifica no mundo, acaba por se tornar triste. A verdade, entretanto, significa mais que saber: o conhecimento da verdade tem como escopo o conhecimento do bem”. Eis ai: é necessária uma ciência do bem. A sociedade precisa do ordenamento jurídico que garanta que o agir das pessoas se constitua em verdadeiro bem para todos.
“Trata-se de dar justa forma à liberdade humana que é sempre liberdade na comunhão recíproca: o direito é o pressuposto da liberdade, não seu antagonista. Aqui emerge insistente a pergunta: como se individuam os critérios de justiça que tornem possível uma liberdade vivida com os outros e que sirvam ao ser bom do homem? Citando Habermas, o papa diz haver consenso na atualidade sobre a legitimidade de um estatuto jurídico da sociedade: “a participação política igualitária de todos os cidadãos e a forma racional com que se resolvem os contrastes políticos”. Nesse ponto de sua reflexão, ele faz notar, com Habermas, que essa forma racional não pode ser apenas uma luta por maioria aritmética, mas que deve se caracterizar como ‘ um processo de argumentação sensível á verdade’ “. Donde não se poder detectar a verdade moral simplesmente por meio de plebiscitos e nem se pode delegar exclusivamente aos partidos políticos o encaminhamento de questões relativas ao bem total do ser humano. Nesse contexto a Igreja, com a sabedoria acumulada através dos séculos – bem como as grandes religiões – tem uma contribuição a oferecer, que não pode impunemente ser desprezada. Não seria racional não ouvi-la e não procurar entender suas razões. Nesse contexto o Santo Padre fala da importância da Filosofia e da Teologia cuja contribuição é definitiva para a solução das questões relativas ao bem concreto do ser humano. Há uma verdade moral a ser sempre de novo buscada pela humanidade.
Afirma o Papa: “o perigo do mundo ocidental – para falar somente deste – é que o homem, precisamente em razão da grandeza de seu saber e poder, desista da questão da verdade. E isto significa ao mesmo tempo que a razão, no final, venha a se dobrar à pressão dos interesses e à sedução da utilidade, obrigada a reconhecê-la como critério último”. E acrescenta: “se a razão – apegada à sua presumida pureza – se torna surda diante da grande mensagem que lhe vem da fé cristã e de sua sabedoria, ela se torna seca como uma árvore cujas raízes não alcançam mais as águas que lhe dão vida”. E afirma que a cultura européia, ciosa de sua laicidade, corre o risco de perder suas raízes e, pois, sua vitalidade.
E termina: “Com isso volto ao ponto de partida. O que tem o papa a fazer ou a dizer na universidade? Seguramente não deve tentar impor aos outros de modo autoritário, a fé, que só pode se dar na liberdade”. E afirma ser sua missão manter a sensibilidade pela verdade, convidando a razão a sempre de novo procurar o bem e acolher as luzes que o cristianismo fez emergir na história. Cristo é a Luz do Mundo!