A mãe de todas as violências

De acordo com o “Mapa da Violência/2010”, elaborado pelo Instituto Sangari e di-vulgado no final de março de 2010, o município de Coronel Sapucaia deixou de ser o mais violento do país, como aconteceu em 2005. Agora passou para o quinto lugar.  Ele faz parte dos 78 municípios do Mato Grosso do Sul, 36 deles localizados na Diocese de Dourados, que me foi confiada para servir. A amarga surpresa que a pesquisa me revelou foi descobrir que as doze cidades mais violentas do Estado estão situadas na Diocese de Dourados, que sempre vi como a “Diocese do Coração”. (A bem da verdade, a nona é Porto Murtinho, na Diocese de Jardim). Para quem se interessar em conhecê-las, eis a lista em ordem decres-cente: Coronel Sapucaia, Aral Moreira, Paranhos, Ponta Porã, Sete Quedas, Japorã, Amam-bai, Iguatemi, (Porto Murtinho), Dourados, Rio Brilhante e Antônio João.

Talvez para ir ao encontro de quem costuma duvidar das pesquisas, no início de abril, num único dia, um jornal de Dourados publicou três notícias sobre o assunto, com essas manchetes: “Lideranças se unem por mais segurança. A comunidade de Naviraí enfrenta uma onda de assaltos, que deixam a população insegura”. A segunda informava sobre o que acontece em algumas escolas de Dourados, locais onde a criança e o jovem deveriam aprender a construir um país de todos e para todos: “Violência intimida as escolas. Só neste ano, a Guarda Municipal registrou 70 boletins de ocorrência. O número equivale à metade dos registros do ano passado”. Pouco depois, em outra página, o mesmo jornal referia: “Criança sofre lesão no pescoço em briga na escola”.

Evidentemente, não é apenas na Diocese de Dourados que a violência anda solta. Para só ficar no ambiente escolar, os jornais de todo o país informaram que, no final de março, no Rio de Janeiro, “a diretora de uma escola municipal foi agredida a socos e pontapés e a-meaçada de morte por alunos do Ensino Fundamental. A unidade acabou depredada e as aulas, suspensas. Assustados, os professores se recusam a voltar para as salas e os pais temem mandar os filhos ao colégio. Traumatizada, a diretora pediu afastamento”.

A violência está na ordem do dia em grande parte das cidades brasileiras. Ela atinge a todos, mas sobretudo os jovens e, de uns anos para cá, até mesmo os adolescentes e as cri-anças. Nenhum ambiente – lojas e bancos, estádios e ruas, templos e hospitais, lares e esco-las – pode se considerar imune e seguro. São cada vez mais raras as pessoas que têm o pri-vilégio de nunca terem sido assaltadas. O crescimento da violência é tanto, que corremos o risco de nos habituar com ela. Só nos damos conta quando a vítima de vez é um nosso fa-miliar ou ente querido.

Até há poucos anos, dizia-se que uma de suas causas principais, senão única, eram as injustiças sociais que imperavam em toda a parte. A meu ver, já que nunca neste país se esteve tão bem como agora – pelo menos é o que costumam repetir algumas autoridades –, se a violência continua é porque a sua raiz é outra, muito mais difícil de erradicar. A grande verdade é que a cultura atual entrou em decadência. Nela, tudo é questionado e relativiza-do. Não existem verdades absolutas e universais. O que se busca é sempre – e somente – o bem-estar individual. Se a árvore está podre, os frutos não podem ser sadios. Não se repete, cada mais frequentemente, que ninguém tem o direito de cercear a liberdade? Por isso mesmo, não passa de hipocrisia escandalizar-se diante da violência, da pedofilia, da corrup-ção, da prostituição infantil e de mil outros males que afligem a humanidade se, todos os dias e a cada momento, as sementes plantadas por vários órgãos de informação – e até mesmo de “formação”, como escolas e lares domésticos – levam a um materialismo que nada mais é senão um suicídio coletivo.

Distanciando-se de Deus, o ser humano dificilmente encontrará forças para “digerir” as limitações, os traumas e as frustrações que a vida e a convivência humana lhe reservam, e acabará um barril de pólvora, sempre na iminência de explodir. Governado pelos instintos, ele volta às origens, quando, de acordo com o evolucionismo, não passava de um animal. E, como se sabe, entre os animais, a violência está na ordem do dia…

A meu ver, esse é também um dos motivos dos inúmeros ataques que a Igreja Católica vem sofrendo ultimamente. Para chegar a uma sociedade onde tudo seja permitido – não apenas o aborto e o casamento gay, mas até mesmo a pedofilia, como demonstram pesquisas de opinião efetuadas no Canadá e na Holanda – é preciso evidenciar que seus membros mais influentes – o papa, os bispos e os sacerdotes – são falíveis e pecadores. Contudo, quem assim pensa e age, parece esquecer que a dissolução dos costumes é a mãe de todas as violências, pois, como lembrava São Paulo, «quem semeia no pecado, do pecado colherá a morte» (Gl 6,8).

Dom Redovino Rizzardo

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