Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Enquanto o calendário cristão pede que agucemos a sensibilidade para as coisas que estão sendo geradas no silêncio e na discrição, o calendário político e judicial nos apresenta uma avalanche de fatos não muito novos: caminhos livres para a devastação ambiental, gigantescas sonegações de impostos, violentas agressões misóginas.
Fazendo eco a uma nova tendência global, crescem também entre nós as vozes que se alinham ao “populismo penal”. São vozes que gritam que o país precisa de leis mais duras e punições mais pesadas para os criminosos. Dizem que o ideal seria substituir a bolsa-família pela bolsa-cadeia, ou o Estado de bem-estar social por um Estado policial.
O que não se diz, mas está subentendido, é que o peso da lei e a dureza das penas não são para todos. Aliás, também se acredita que os delinquentes não são iguais. Há criminosos de colarinho branco e criminosos de bermuda e chinelo. Enquanto a venda de algumas gramas de maconha é punida com prisão, a sonegação de impostos é tolerada.
Já dizia o poeta uruguaio que a justiça é como a serpente: ambas só mordem quem anda descalço. E isso é mais verdadeiro quando nos referimos à visão social predominante. Pretos, pobres e periféricos são suspeitos, até prova em contrário. Brancos, ricos e moradores dos jardins são inocentes, mesmo com claras provas em contrário.
Vejamos o caso do Banco Master e do senhor Vorcaro, da refinaria REFIP e do senhor Magro. É claro que eles ainda não foram julgados, e, por isso, não podem ser tratados como criminosos. Mas a grande imprensa gosta de trata-los com indisfarçável deferência, como o fazem também em relação aos condenados pela tentativa de golpe de estado.
Parece que estes não são delitos de verdade, e que os privilégios deveriam ser assegurados também nos cárceres que recebem estes cidadãos (por pouco tempo). Para estes, a progressão das penas é bem-vinda, e a prisão parece não custar tanto assim ao Estado. Afinal, as leis são feitas para quem mora nas favelas, e não nas coberturas.
Como discípulo daquele que veio para perdoar e não para condenar, sou garantista, e não punitivista. Sabemos todos que Jesus ofereceu-se para visitar Zaqueu, que enriquecera roubando. Mas a visita e o perdão resultaram na devolução de quatro vezes o que fora roubado e da distribuição da metade da sobra para os pobres. Eis uma pena justa.
