A pandemia e suas lições

Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros

Nas últimas semanas algumas palavras começaram a fazer parte do vocabulário de quase todos. Fala-se, repetidamente, de pandemia, coronavírus, isolamento, aglomeração, higienização, álcool gel, máscara, respiradores, UTIs, EPIs… Talvez o vocábulo “pandemia” seja o que melhor descreve em sua etimologia o que estamos a viver. Sua origem é do grego “pan” (tudo, todos) + “demos” (povo). Diz respeito a uma doença infecciosa que se espalha entre a população de uma grande região geográfica ou, até mesmo, de todo o planeta. Foi no dia 11 de março do corrente ano que a Organização Mundial da Saúde – OMS – declarou pandemia do novo coronavírus, quando casos já estavam identificados em 100 países e o Brasil registrava o número pequeno de 98 casos e nenhuma morte.

Os dias seguintes impuseram nova rotina aos brasileiros, ante a indicação de isolamento social. Governantes de diferentes esferas passaram a emitir decretos. Logo o assunto tomou conta dos meios de comunicação e, entre polêmicas, incertezas, estatísticas e fatos, todos nos vimos sob a mesma inesperada e furibunda tempestade. Essa foi uma metáfora utilizada pelo Papa Francisco durante o Momento Extraordinário de Oração em Tempo de Pandemia, no dia 27 de março, quando sozinho na Praça de São Pedro, após a leitura do evangelho em que Jesus acalma a tempestade, fez uma inigualável homilia. Ele disse: “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”.

Os dias vão se passando. Os países primeiramente atingidos começam a dar sinais de superação da pandemia. No Brasil ainda não se prevê com clareza quando será o pico. Mas as perdas de vidas e de recursos são inegáveis. Urge contabilizar não apenas o número de casos suspeitos, de infectados, de curados e de óbitos. É tanto urgente, também, começar a repensar como lidamos com nossas vulnerabilidades pessoais e sociais. Nossa vida pós-pandemia precisará ser diferente. Do contrário, perderemos a oportunidade de aprender com a história dos recentes acontecimentos.

Tomo a liberdade de indicar duas mudanças necessárias. A primeira se refere ao ritmo frenético de nossas vidas, agitadas pela possibilidade de nos deslocarmos com mais rapidez e, por isso, acumularmos nossas agendas com um número exagerado de compromissos, impondo-nos um ritmo de rali em meio à necessidade de cuidar da família, das relações e da própria saúde. Ter de parar, de interromper viagens de trabalho ou de lazer, de deixar o carro na garagem, de permanecer em casa, de ver o tempo passar no mesmo ritmo de sempre, nos fez ver que há um modo diferente de lidar com o decorrer dos dias e das horas. Da mesma forma, ter de isolar-se para evitar o contágio nos impôs um olhar distanciado de cada pessoa que amamos e descobrimos que já não estávamos cuidando do outro com a ternura que todo coração tem para oferecer.

A segunda mudança é a favor de uma vida mais simples. Esses dias têm mostrado que é possível viver de modo mais austero, compartilhar dos trabalhos domésticos, malhar menos, consumir menos, vestir-se de modo mais sóbrio, ser mais solidário, ter tempo para as amizades mais antigas, para apreciar o silêncio e, também, cuidar da vida espiritual. Vamos aprender já. Que outra pandemia não venha nos parar no futuro sem termos aprendido essas lições.

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