A polêmica sobre o aborto provocado por alguém é assunto que envolve questões de políticas públicas dos tres poderes, além de considerações de ordem filosófica e ética. É evidente também que práticas abortivas têm algo a ver com religião e moral.
Os defensores da liberdade de abortar alegam que nenhuma igreja deve impor suas leis ao Estado laico. Não há dúvida que não cabe à religião da maioria exigir do Estado a punição de pecadores, mas também não cabe ao poder civil dizer se uma coisa é ou não é pecado. Quanto aos pecados, a missão essencial das igrejas não é aplicar castigos terrenos aos transgressores de suas leis, mas formar a consciência dos seus seguidores, dos discípulos de Jesus.
O problema é que não existe um limite bem definido entre crime e pecado. Cabe ao Estado punir pessoas que cometem crimes, para conter a sua proliferação e proteger possíveis vítimas. Para isso, o legislador precisa definir com clareza as ações criminosas, e a justiça deve julgar os casos concretos e aplicar sanções adequadas.
Discriminalização do aborto em situações extremas não é o mesmo que legalização.
Deixar de considerar práticas abortivas em determinadas situações como crime sujeito a sanções penais não é a mesma coisa que legalizar o aborto. Existem situações complicadas onde certas opções difíceis de escolha do mal menor podem ser toleradas pelo Estado e não precisam ser justificadas nem condenadas. Liberdade com responsabilidade.
Muitos acusam a Igreja de interferência indevida em assuntos do poder civil. Por que diabos querem proibir que a igreja católica, a mais antiga instituição mundial e nacional, tente fazer valer o peso da sua maioria no sentido de dificultar a aprovação de leis incompatíveis com a consciência cristã?
Os dirigentes legítimos da Igreja não podem ditar leis ao Estado, mas têm todo direito de apresentar seus argumentos em defesa da vida e de recomendar aos seus membros que sempre votem em favor da proteção dos mais fracos. É missão da Igreja formar discípulos de Jesus que na sua vida pessoal, familiar e política tentem observar os mandamentos de Deus.
Ateus e agnósticos têm o direito de achar que as leis dos homens não têm nada a ver com a lei de Deus. No entanto, as leis humanas não podem ser definidas apenas pelo voto da maioria. O mandamento de não matar deve ser respeitado pela legislação civil que precisa proteger a vida, o fundamental dos direitos humanos.
O nazismo se instalou na Alemanha pelo voto e matou em nome da lei milhões de judeus e outros opositores do regime. O comunismo se instalou por revoluções que pretendiam fazer valer o desejo da maioria. Matou com justificativas legais outros milhões de adversários do regime. Antes disso, nações poderosas se julgavam no direito de invadir e conquistar tudo que conseguissem pela força. Até mesmo a inquisição da idade média justificava a eliminação de bruxas e hereges a ferro e fogo.
As Nações Unidas, para ter um instrumento contra tais abusos, elaboraram as leis dos direitos humanos e dos direitos da criança, com a obrigação do Estado de engajar-se na defesa desses direitos. Dos direitos humanos, fundamental é o direito à vida. Os direitos de dada um têm seus limites nos direitos dos outros.
As coisas se complicam quando os direitos de alguns conflitam com direitos de outros. Por exemplo, nos raríssimos casos de não se ver outra saída além da escolha entre a vida da mãe e a vida da criança no seu ventre. Outra complicação está em definir o início de uma vida humana que precisa ser defendida também pela lei civil. Até que momento pode alguém dizer que o embrião é apenas um pedaço de sua mãe, e não uma vida nova, um ser humano em formação? Quando é que começa uma vida humana? Só no momento do parto?
Defensores da liberalização de práticas abortivas sempre alegam casos complicados, mas milhões de abortos são provocados por motivos muito menores.
O que fazer diante de defeitos de um embrião diagnosticado pela ciência? Pode ser eliminado porque alguém se julga no direito de dizer que tal criança não merece viver? Alguns não respeitam nem o momento de nascer. Iniciam o parto e logo esmagam a cabeça da criança.
Outros querem permitir a eliminação de crianças já nascidas que teriam uma vida que não valeria a pena ser vivida. Estamos diante de tentativas de eugenia que pretendem dirigir a evolução da espécie humana para formar uma raça melhor, coisa já tentada nos tempos de Hitler. O rei Herodes matou crianças para eliminar um concorrente ao trono. Pior é que muitos abortos são praticados em países cristãos.