Dom Dirceu de Oliveira Medeiros
Bispo de Camaçari (BA)
Não há como celebrar os mistérios do Natal do Senhor sem dirigir um olhar para aquela região onde está a gênese de nossa fé cristã. Desconectar-se desta realidade é transformar o cristianismo em uma ideia abstrata sem conexão com a história. Nestes dias, que antecedem o Natal do Senhor, Belém está silenciosa, quase vazia. Muito diferente do que acontece todos os anos quando peregrinos para lá se dirigem, a fim celebrar o mistério da Encarnação. Os famosos desfiles das diversas Igrejas cristãs, o clima de festa, a entronização dos líderes religiosos, tudo isso perdeu o brilho neste ano.
O motivo é conhecido: uma guerra. A terra santa está em guerra. É notória, sem desconsiderar o quão condenável foram os ataques terroristas, a desproporção e a crueldade dos ataques feitos à pobre população de gaza. Como reiteradamente vem clamando o Papa Francisco: “ninguém ganha com a guerra, todos perdem!” Às vésperas de celebrarmos o nascimento do príncipe da paz, somos obrigados a conviver com este episódio ruidoso e cruel, assistir a morte de inocentes: de crianças, enfermos, idosos. Causa tristeza ver a incapacidade das nações de impedir o avanço das guerras.
Em nível pessoal e comunitário é urgente trabalharmos pela cultura da paz, além de rezar pela paz. Vemos a escalada da violência em todos os âmbitos da vida humana: no trânsito, nas redes sociais, nas escolas, enfim em todos os espaços coletivos. O que fazer? Sermos artesãos da paz como nos convida o Papa Francisco. Acolher o Príncipe da Paz, comprometendo-nos com esta causa tão nobre e urgente. Por onde começar? É preciso começar por algum ponto. Diria que pela linguagem. Uma comunicação não violenta, mais propositiva. Estamos perdendo a capacidade de nos comunicar sem nos agredir. Basta verificar a linguagem de certos programas televisivos de corte sensacionalista e que vivem da exploração da violência, do sentimento de ódio que tem brotado nas pessoas. Um pouco de civilidade, de fé ou mesmo de psicologia social poderá nos ajudar a cultivar a cultura da paz.
Observemos como Jesus se comunicava com as pessoas. Dele aprenderemos a arte do diálogo, da acolhida, da ternura. Nas suas palavras não encontramos agressividade, rancor e violência. Ao invés, ouvimos Ele nos dirigir palavras de misericórdia: “Os teus pecados estão perdoados.” (Lc 5, 23). Como precisamos aprender a perdoar! A nos reconciliar, deixando de lado as rivalidades e oposições estimuladas pela virtualidade das relações e pelo fundamentalismo das nossas opiniões.
Isso exige de nós uma mudança. Celebrar o natal é de certo modo voltar a ser criança. Há um poema de Alberto Caieiro (Um poema para o Menino Jesus) no qual ele descreve que o Menino de Belém, entediado de viver no céu, decidiu vir à terra para brincar com os seres humanos. Que o Natal seja a oportunidade para resgatarmos a criança que existe em nós, trazendo com ela a inocência, a amizade e aqueles valores que, gradativamente, estamos perdendo.
Aqueles que nos governam, os poderosos deste mundo, que decidem fazer guerras, precisam crer na paz. Muitas vezes não se tem ideia de quantos interesses espúrios estão por detrás de uma guerra insana, aliás, toda guerra é insana. Fico pensando se um destes que decidem fazer guerra estivesse no front testemunhando os horrores do conflito, será que persistiriam em seu propósito de fazer guerra? São reflexões que precisamos fazer nestes tempos de preguiça mental, uma generalizada renúncia ao pensamento. Na expectativa do Senhor que vem precisamos voltar a nos perguntar sobre o que realmente é importante na vida. Sobre quais alicerces queremos construir a nossa sociedade? Sobre a rocha, que é Cristo, nossa paz, ou sobre a areia instável dos interesses mesquinhos?
Por fim, uma vez mais, volto meu pensamento para Belém, em especial, para a porta da humildade. Partilho uma curiosidade: O acesso à Basílica da Natividade em Belém se dá por uma única porta, que no decorrer do tempo, foi sendo diminuída. Conta-se que essa medida foi tomada em virtude das batalhas que se travava dentro do templo. Homens a cavalo invadiam o templo e ali se digladiavam e profanavam a casa de Deus. O certo é que atualmente ninguém acessa o templo sem se curvar para entrar por uma pequena porta, intitulada “porta da humildade”. Este lugar, carregado de simbolismo, quer nos comunicar uma mensagem muito importante: Todos devem se curvar ou se prostrar diante daquele que é a nossa paz e que está para chegar, Jesus, o Filho de Deus. Certamente nosso mundo seria melhor se fôssemos capazes de passar pela porta da humildade!
