A verdade gritada no deserto

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

João, para cumprir as Escrituras, anunciou que era uma voz que gritava no deserto. Essa imagem nos remete a um homem desolado, dizendo palavras de um proscrito, com pouco ou nenhum resultado.

Entretanto, toda verdade é gritada no deserto. O deserto é o seu horizonte. Ela não reconhece impedimento nem obstáculos, segue em frente, ainda que sozinha.

Gritar no deserto não é gritar no ermo e na desolação, pois é da natureza da verdade se expandir sem respeitar barreiras. João gritou no deserto, mas muitos o escutaram, e escutaram tanto que começaram a se perguntar se ele não era o Messias.

A verdade não recua! Ela cria a planície com a sua força. O nosso Senhor se definiu como sendo a Verdade. Como quem aplaina e endireita caminhos por onde, como verdade, possa percorrer.

João ainda grita num deserto ondulado, mas a força de sua pregação impõe-se com suficiente urgência para que muitos lhe perguntassem: o que devemos fazer?

A mais simples das verdades ainda é mais bela que a mais adornada das mentiras. João acepilha o deserto com verdades simples: dividir o que sobra, não tomar a força o que não lhe pertence, não fazer falsas acusações… e, por isso, todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias.

As dunas acepilhadas pela eficácia da verdade levaram o seu anúncio além de suas próprias possibilidades. João sabe qual é a sua missão. Mas agora o pregador se tornou objeto da pregação, num perigo extremo para quem prega e para quem ouve, pois as vaidades, o pecado preferido do tentador, pode conduzir à finitude do deserto, de onde a verdade é obrigada a ricochetear e verdade que ricocheteia é meia verdade, mas meia verdade é uma mentira.

João sabe que pode desobstruir e remover algumas dunas, mas não pode expandir este horizonte até o infinito. Só Jesus o pode fazer! Só ele romperá o tempo e a história duas vezes. Entrará no mundo, vindo de fora, e nos arrastará com ele para eternidade.

O infinito é o que a verdade precisa para ser admirada e amada, e, ao contemplá-lo, João se exasperou, e num grito de terror e ânsia bradou: eu não sou o Messias! Mas isso ainda era pouco. Os olhos que se projetaram no infinito contorcem o corpo e a existência, e, ao intuir como era grande o deserto por onde a verdade andaria, gritou novamente: Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias.

Jesus, sim, pode pregar sobre si mesmo. Ele é o infinito presente do Pai! Não tem limite, é tempo e eternidade. O Horizonte do deserto está permanentemente posto em sua pessoa, por isso, tudo nele é verdade. As mais impensáveis possibilidades acontecem, até mesmo Deus nascer como criança e nos permitir chamá-lo de irmão, apesar de nós mesmos.

 

 

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