Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Um homem, depois de muito andar pelo mundo, encontrou no deserto um pequeno oásis. Acabou ficando ali, com sua família e as suas cabras, feliz da vida. No meio do oásis tinha uma nascente: às vezes dava somente um fiozinho de água, às vezes jorrava com mais abundância, conforme as estações do ano. À mesma fonte, de noite, aproximavam-se os animais do deserto para satisfazer a sua sede. De dia a água era a alegria das crianças e o conforto para o cansaço de todos. Um dia, o homem pensou que se tivesse cavado um poço teria encontrado mais água, assim poderia plantar mais palmeiras e comprar mais cabras. Cavou o poço, encontrou água e se tornou ganancioso. Multiplicou o número das palmeiras e das cabras.
Depois cavou outro poço. Dessa vez, teve que aprofundar mais o buraco para encontrar a água, muito mais do que a primeira vez. Com a nova água aumentou o seu poder. Comprou alguns escravos e começou a comercializar nas aldeias mais próximas. Juntou muito dinheiro. Durante um verão, porém, não choveu nem no oásis nem na região toda. A água começou a ficar escassa. O homem mandou os escravos cavar mais um poço. Antes de encontrar água teve que descer quase no coração da terra. A esta altura, a mulher dele, humilde e sábia, disse-lhe: “Não manda cavar mais poços. A terra dá somente a água que tem”. Mas o homem não lhe deu ouvido. Logo que o tempo normalizou, multiplicou as palmeiras, as cabras e os escravos. Tinha sempre uma grande movimentação no oásis, de dia e de noite. Os animais selvagens não tinham mais coragem de se aproximar para beber da água da nascente. Os ossos deles, ressequidos, brilhavam à luz do sol espalhados pela areia do deserto. No entanto, chegava para o oásis todo tipo de inseto e de animal nojento que fazia a festa com toda aquela água. Em compensação o homem tinha ficado muito rico e se livrava dos insetos incômodos, abanando-se com um leque de ouro. O tempo passou e chegou mais um verão de seca total. Depois, mais um e mais outro. O tempo também tem as suas idéias e não eram as mesmas do homem cobiçoso. Ele mandou cavar um poço enorme. Precisaram muitos dias de trabalho, e a fadiga dos escravos foi grande demais. O poço era tão fundo que dava medo olhar da borda. Finalmente um fiozinho de água apareceu na escuridão. Aconteceu, porém, o inevitável: a nascente e todos os outros poços secaram imediatamente. Ficou somente um único poço, tão profundo, que parecia a boca do inferno. Este poço existe, ainda hoje, e dá um pouquinho de água ou, às vezes, ela jorra com fartura, acompanhando as estações do ano. Aquele homem não mora mais lá. O oásis está à disposição de quem o quer. Pode se viver bem, mas com a condição de que, quem morar lá, não mecha na nascente e toda a noite se ajoelhe na beira do poço para aprender a escutar, no murmúrio da água, uma voz que lhe pede respeito: parece a voz de um homem, mas é a voz da mãe dele, a natureza.
Peço desculpa pela história um pouco mais cumprida que as outras vezes. Talvez sirva, como uma parábola, para compreender o sentido da Campanha da Fraternidade deste ano. Falar e refletir sobre a ecologia e, portanto, sobre as condições de vida e de sobrevivência no planeta Terra, pode parecer uma moda desses últimos anos. No entanto pode ser, também, que todos nós estejamos, aos poucos, tomando consciência da responsabilidade que temos com a nossa vida e de todos os seres que povoam este recanto do universo. Reconhecer que o ser humano está profundamente ligado à realidade do planeta, significa assumir para valer a nossa missão de zeladores dessas riquezas e não simplesmente de consumidores e exploradores. A humanidade toda é muito mais parceira da natureza do que dominadora e manipuladora. O fato de sermos inteligentes não justifica o abuso do poder humano. Ao contrário, deveria nos conduzir ao respeito e ao reconhecimento humilde da dependência que nos une aos demais seres vivos e a tudo o que existe e que não é obra humana: o ar que respiramos, a água necessária para a vida e todos os recursos minerais que foram se formando ao longo dos milênios.
Como cristão nós temos uma responsabilidade ainda maior, porque acreditamos não ser por acaso ou por uma simples cadeia evolucionista que estamos neste planeta com estas exatas condições de vida. Temos uma missão a cumprir: continuar a obra da criação para que esta não perca a beleza, a harmonia e a variedade que são riquezas inimitáveis e insubstituíveis. Se a tecnologia e a ciência nos fascinam e exaltam, a natureza nos encanta e nos ensina novamente a simplicidade e a transitoriedade das coisas. Afinal, não somos tão poderosos como pensamos. Somos simples peregrinos neste planeta, que não ajudamos a construir. Podemos melhorá-lo ou, ao menos, fazer que seja uma “casa” digna para as gerações futuras. Também quem não acredita em Deus e pensa que não terá que prestar conta a ninguém dos seus atos, bons ou maus, sente, porém, a responsabilidade ética com a humanidade presente e a que há de vir.
Vamos unir as forças para amarmos mais esta “casa” que é de todos e deve continuar a abrigar a todos. A natureza tem os seus ritmos e os seus tempos. Não pode nos dar o que não tem. Precisamos respeitá-la mais. Deveríamos contemplá-la mais para aprender com ela a paciência, a generosidade e a teimosia. Temos ainda muito para descobrir. É a mãe Terra que nos fala e às vezes grita. “Será de parto esta dor ou simplesmente agonia? Vai depender só de nós”, diz o hino da Campanha deste ano. Não dar ouvidos a este grito pode ter conseqüências gravíssimas para todos nós agora e para sempre.