Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de Fora

 

As relações entre Governos e Igrejas, em todos os países, necessitam de regulamentação. Não há nenhum povo sobre o globo terrestre que viva sem religião. Estas são variadas em suas crenças, em suas expressões, em suas regras. Mesmo onde haja pessoas que se confessem ateias ou agnósticas, opções minoritárias em qualquer nação, tais escolhas não deixam de ser um posicionamento religioso, por contraditório que possa parecer. Ainda que um Governo, por absurdo, se confessasse ateu, nunca teria o direito, nem seria justo, se impusesse ateísmo como única regra, pois desconheceria o direito natural do ser humano de crer e praticar a religião de acordo com a escolha de sua consciência.

No mundo moderno, sobretudo no Ocidente, o critério da laicidade tem predominado, fazendo do Estado uma organização que não privilegia, nem impede e nem muito menos persegue as instituições regionais de seu povo, ao contrário, reconhece e protege o direito das pessoas praticarem livremente sua religião. Tal ordenamento tem origem no princípio que norteou as regras da formação de Estados no momento atual da história ocidental que afirma a oportunidade feliz de uma “Igreja livre dentro de um Estado livre”, como afirmou Cavour. A expressão é feliz, pois protege o princípio democrático, uma vez que não impõe o ateísmo e nem estabelece religião oficial.

Os acordos, concordatas, normativas bilaterais se fazem então mais importantes para garantir os direitos e os deveres das correntes religiosas e, ao mesmo tempo, os direitos e os deveres do Estado que deve primar por um legítimo serviço ao seu povo. Tais ordenamentos jurídicos são comuns entre todos os Estados, sobretudo os mais desenvolvidos, sobretudo naqueles que mais prezam os princípios de uma verdadeira democracia.

Sobre o Acordo Brasil / Santa Sé, aconteceu, em Belo Horizonte, nos dias precedentes, um excelente Seminário promovido pelo Regional Leste II da CNBB, com o apoio e a pareceria da PUC-MG. Deu-se no moderníssimo salão de atos do Museu de Ciências Naturais da mencionada Universidade Católica, hoje a maior do mundo, contando com 55 mil alunos, mais de dois mil professores, centenas de outros funcionários em seus diversos campi. Com um público de 330 pessoas, o máximo da capacidade do ambiente, o evento acadêmico de alto nível contou com a participação de juristas, professores, contadores, profissionais de várias outras áreas, religiosos, religiosas, padres, seminaristas, bispos e outros interessados.

O quadro dos conferencistas se compôs de lentes de altíssimo nível, como Dr. Ives Gandra Martins, um dos mais respeitados juristas do País, professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo; Dr. Sérgio Monello, advogado, contabilista, professor, membro da Comissão para Assuntos Econômicos da Região Episcopal da Sé da Arquidiocese de São Paulo; Dr. Ângelo Oswaldo Araújo Santos, Secretário de Cultura do Estado de Minas Gerais; Dra. Ana Paula Tauceda Branco, Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho (ES); Dom Giovanni d’Aniello, Núncio Apostólico do Brasil.

O Acordo Brasil / Santa Sé foi assinado aos 13 de novembro de 2008, entre o Governo Brasileiro e os representantes do Papa, depois de tratativas que duraram mais de 10 anos, tendo sido pedido pela CNBB e acolhido por ambas as partes, ou seja, pelo Governo Brasileiro e a Sé Apostólica. Prima por não privilegiar em nada a Igreja, e nem por impedir seu livre exercício religioso no País. Regulamenta de forma legítima as relações entre ambas as partes, recolhendo o livre direito de outras crenças e correntes religiosas presentes no Estado brasileiro, dando abertura inclusive a outras religiões que nele existam também realizarem acordos.

O Estado laico, no Brasil, teve origem no Decreto do Governo dado a 7 de janeiro de 1890, após a proclamação da República, que extinguiu o regime de Padroado antes prevalente no Império que estabelecia a fé católica como oficial no Brasil, como era costume em quase todos os países anteriormente, havendo religiões oficiais diferentes, como protestantes, ortodoxas, e outras, como acontece ainda hoje, sobretudo no Oriente, onde predomina o Islamismo.

A separação entre Igreja e Estado em nosso País nunca foi hostil, nem agressiva, primando pelo bom entendimento e respeito mútuo, funcionando como exemplo para algumas outras partes do mundo, onde tal separação foi marcada pela hostilidade.

O atual Acordo estabelece e confirma este caráter amistoso e sério, com legislação positiva a respeito da prática religiosa dentro deste Estado laico, não laicista e nem ateísta.

E outros documentos desta natureza são muito úteis para a boa paz, a concórdia e mútuo respeito num Estado que defende o lugar legítimo para as opções religiosas entre seu povo, ideias fortes presentes na Constituição cidadã de 1988.

A riqueza deste Acordo necessita de maior conhecimento por parte de todos os brasileiros, sobretudo entre as comunidades católicas ou não, e ainda entre os que se sentem vocacionados ao exercício da política.

O Seminário de Belo Horizonte cumpriu um excelente papel neste sentido.

 

 

 

 

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