Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Vivemos mais uma vez o Círio de Nazaré, com o mar de gente que se estendeu sobre nossas ruas e praças. Mais uma vez ressoou por nossa terra uma canção que tenta dizer o que vivemos:
“Eu sou de lá, onde o Brasil verdeja a alma e o rio é mar. Eu sou de lá! Terra morena que eu amo tanto, meu Pará. Eu sou de lá, onde as Marias são Marias pelo céu, e as Nazarés são germinadas pela fé, que irá gravada em cada filho que nascer. Eu sou de lá! Se me permites, já te digo quem sou eu: filha de tribos, índia, negra, luz e breu, marajoara, sou cabloca, assim sou eu. Eu sou de lá, onde o Menino Deus se apressa pra chegar, dois meses antes já nasceu, fica por lá, tomando chuva, se sujando de açaí. Eu sou de lá, terra onde o outubro se desdobra sem ter fim, onde um só dia vale a vida que eu vivi, domingo santo que não posso descrever. Pois há de ser mistério agora e sempre, nenhuma explicação sabe explicar! É muito mais que ver um mar de gente, nas ruas de Belém a festejar! É fato que a palavra não alcança, não cabe perguntar o que ele é! O Círio é o coração do paraense, é coisa que não sei dizer… Deixa pra lá! Terá que vir pra ver com a alma o que o olhar não pode ver. Terá que ter simplicidade pra chorar sem entender! Quem sabe assim verá que a corda entrelaça todos nós, sem diferenças, costurados num só nó, amarra feita pelas mãos da Mãe de Deus. Estranho, eu sei, juntar o santo e o pecador num mesmo Céu puro e profano, dor e riso, livre e réu. Seja bem vindo ao Círio de Nazaré, pois há de ser mistério agora e sempre, nenhuma explicação sabe explicar, é muito mais que ver um mar de gente nas ruas de Belém a festejar É fato que a palavra não alcança, não cabe perguntar o que ele é. O Círio é o coração do paraense, é coisa que não sei dizer, pois há de ser mistério agora e sempre, nenhuma explicação sabe explicar. É muito mais que ver um mar de gente, nas ruas de Belém a festejar. É fato que a palavra não alcança, não cabe perguntar o que ele é. O Círio é o coração do paraense, é coisa que não sei dizer… Deixa pra lá!” (Letra de Padre Fábio de Melo, interpretada por Fafá de Belém, gravação com os direitos doados à Arquidiocese de Belém)
“Juntar num mesmo Céu puro e profano, dor e riso, livre e réu”. De fato, nenhuma explicação sabe explicar o que é. Um fenômeno religioso católico e mariano inigualável no mundo, que atrai misteriosamente multidões e pode expressar o chamado de Deus, que quer acolher no seu desígnio de salvação a todos os povos. De fato, o Senhor quer dizer, com a força de sua Palavra e a ação da Igreja, que todos são chamados! “Deus quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus, que se entregou como resgate por todos” (1 Tm 2,3-5). Jesus expressa o convite e a consequente responsabilidade através da parábola dos convidados para uma festa de casamento (Mt 22,1-14). O Rei que casa o seu filho mandou seus emissários e uma e mais vezes avisarem: “Vinde para a festa… A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. Portanto, ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes’. Os servos saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons” (Mt 22,4.8-10).
Na Bíblia, para anunciar os bens da salvação, com frequência se usa a imagem de um banquete (Cf. Is 25,6-10). Até nisso nossa festa tem algo semelhante, pois é dia da família, no “almoço do Círio”, preparado e participado com esmero, acolhendo parentes e amigos. E festa é coisa séria! Deixa marcas profundas no coração, convida para o ano seguinte, atrai outras pessoas!
No entanto, a parábola contada por Jesus acrescenta um detalhe. É preciso ter a veste própria. Tratando-se de reino de Deus, a veste é um nome para a conversão. Na linguagem bíblica, mudar de roupa quer dizer mudar o estilo de vida! (Cf. Rm 13,14; Gl 3,37; Ef 4,20-24). É necessário corresponder à generosidade do Rei que chama para a festa e também levar a sério as exigências do Reino de Deus.
Lições do Círio! A festa foi preparada! Desde o mês de agosto, as peregrinações realizadas em mais de sem mil famílias espalharam a mensagem do Círio, olhando para Maria, “Estrela da Evangelização”. E a Imagem peregrina visitou mais de quatrocentos lugares diferentes, com pregação da Palavra de Deus e oração. Percorremos paróquias, repartições públicas, escolas e universidades e presídios, para indicar, junto com a Virgem de Nazaré, aquele que é Caminho, Verdade e Vida.
No dia do Círio, rostos molhados de suor, o sorriso, o aperto de mão, a vitória da meta alcançada ao final de tanto esforço. Raças, situações sociais, diferentes idades e mentalidades, todos são acolhidos. Trata-se de trazer para o dia a dia da vida cristã o mesmo empenho. Quem dera este mar de gente acolhesse o convite para ser fermento de uma humanidade reconciliada e pacificada! A solidariedade tantas vez testemunhada pode ensinar muito e deve traduzir-se em gestos fraternos que se multipliquem durante o ano!
Uma preciosa experiência feita pelos Bispos no Círio é a acolhida e a bênção, com a aspersão da água benta, num relacionamento maravilhoso, feito de olhares agradecidos, sorriso, aperto de mão. Nós aprendemos a valorizar tal encontro, para muitas pessoas o único durante o ano com um Bispo. Não podemos jogar fora instantes tão preciosos!
Após as grandes procissões do final de semana do Círio, a Igreja de Belém se dedica a duas semanas de pregação da Palavra de Deus, celebrações da Santa Missa, momentos fortes de oração, presença de Bispos de várias partes do Brasil, além das sucessivas procissões, que desdobram a mesma mensagem do Círio. No entanto, trata-se para nós da colheita do Círio, especialmente através do Sacramento da Reconciliação, celebrado por pessoas que acorrem à Basílica de Nazaré em longas e piedosas filas. É que desejamos lavar nossas vestes no Sangue do Cordeiro (Ap 7,14) na graça da reconciliação.
Ainda há lugar, pois o Círio de Nazaré volta sempre e deixa marcas indeléveis! Nele, ressoa de novo o convite para a festa da vida verdadeira, promovida pelo Pai do Céu.