Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Celebramos a Festa do Amor eterno de Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, o ser mais íntimo de Deus, que é Comunhão, que é amor! E professamos solenemente a nossa fé no Deus uno e Trino. Desta fé nasce toda a vida da Igreja e a novidade absoluta que ela pode oferecer a todos os tempos. Na fé se estabelece o nosso conhecimento de Deus, misterioso no sentido de que quanto mais conhecemos, mais temos a conhecer. Dele nos aproximamos com a vida e com o coração, sabendo que as razões da fé são conhecidas progressivamente, como presente do próprio Deus.
Hoje somos ajudados por Bento XVI. “Ninguém jamais viu a Deus tal como ele é em si mesmo. E, contudo, Deus não nos é totalmente invisível, não se deixou ficar pura e simplesmente inacessível a nós. Deus amou-nos primeiro — diz a Carta de João (Cf. 4, 10) — e este amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-se visível quando Ele ‘enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que, por Ele, nós vivamos’ (1 Jo 4, 9). Deus se fez visível: em Jesus, podemos ver o Pai (Cf. Jo 14, 9). Na história de amor que a Bíblia nos narra, ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos — até à Última Ceia, até ao Coração trespassado na cruz, até às aparições do Ressuscitado e às grandes obras pelas quais ele, através da ação dos Apóstolos, guiou o caminho da Igreja nascente. Também na sucessiva história da Igreja, o Senhor não esteve ausente: incessantemente vem ao nosso encontro, através de homens nos quais ele se revela; através da sua Palavra, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Na liturgia da Igreja, na sua oração, na comunidade viva dos que creem, nós experimentamos o amor de Deus, sentimos a sua presença e aprendemos deste modo também a reconhecê-la na nossa vida quotidiana. Ele nos amou por primeiro, e continua a ser o primeiro a amar-nos; por isso, também nós podemos responder com o amor. Deus não nos ordena um sentimento que não possamos suscitar em nós mesmos. Ele nos ama, faz-nos ver e experimentar o seu amor, e dando ele o primeiro passo, pode, como resposta, despontar também em nós o amor” (Cf. Encíclica “Deus Caritas est”, de Bento XVI, 17).
Providencialmente, nestes dias o amor humano de homem e mulher é colocado em relevo, justamente nas vésperas da Santíssima Trindade. Entre nós, o dia dos namorados e a festa de Santo Antônio, chamado “casamenteiro” oferece a oportunidade para lançar sobre esta realidade humana tão importante o facho de luz que vem do alto.
Para surpresa de muitos, Bento XVI incluiu em sua Encíclica “Deus caritas est” justamente duas palavras, a primeira delas muito provocante, para ajudar-nos a entender o amor de Deus que foi derramado sobre nós: “Ao amor entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade, mas de certa forma impõe-se ao ser humano, a Grécia antiga deu o nome de “éros”. Das três palavras gregas relacionadas com o amor — éros, “philia” (amor de amizade) e “agape” — os escritos neo-testamentários privilegiam a última. Quanto ao amor de amizade, este é retomado com um significado mais profundo no Evangelho de São João para exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos. Uma nova visão do amor se exprime através da palavra “agape”, novidade do cristianismo, algo de essencial e próprio relativamente à compreensão do amor (Cf. Deus Caritas est, 3). Vale a pena recolher, para iluminar o amor humano, os ensinamentos de Bento XVI.
Deus tem pela humanidade um amor apaixonado, que a Encíclica chama de “o éros de Deus pelo homem” (Cf. Deus Caritas est, 10-11). E este amor, que é desejo de realização e felicidade, é ao mesmo tempo totalmente amor “agape”, totalmente gratuito, também porque é amor que perdoa. Sobretudo o profeta Oséias mostra a dimensão da agape no amor de Deus pelo homem, que supera largamente o aspecto da gratuidade. Israel cometeu “adultério”, rompeu a Aliança, e Deus deveria julgá-lo e repudiá-lo, mas sua reação é diferente: “Como te abandonarei, ó Efraim? Como poderia entregar-te, ó Israel? O meu coração dá voltas dentro de mim, comove-se a minha compaixão. Não desafogarei o furor da minha cólera, não destruirei Efraim; porque sou Deus e não um homem, sou Santo no meio de ti” (Os 11, 8-9). O amor apaixonado de Deus pelo seu povo — pelo homem — é ao mesmo tempo um amor que perdoa. E é tão grande, que chega a virar Deus contra si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão vê já esboçar-se veladamente o mistério da Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-se feito ele próprio homem, segue-o até à morte e, deste modo, reconcilia justiça e amor. O amor que Deus tem é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor. Deste modo, o “éros” é enobrecido ao máximo e purificado, para se fundir com o amor “agape”, doação de vida!
Recordando a criação do homem e da mulher, Adão anda à procura e “deixa o pai e a mãe” para encontrar Eva, a mulher, com a qual se torna uma só carne. No plano de Deus, o “éros” impele o homem ao matrimônio, a uma ligação única e para sempre Deste modo, e somente assim, é que se realiza a sua finalidade íntima. À fé no Deus único corresponde o matrimônio de um homem com uma mulher, baseado num amor exclusivo e definitivo, sinal do relacionamento de Deus com o seu povo. E, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano. Com ousadia, propomos a quem vive o matrimônio ou a ele se volta como vocação pessoal, que abra seu coração a esta provocante proposta, para não permanecer nas ideias correntes, que reduzem apenas a uma certa “química” a vida humana. O projeto é preencher com o amor de caridade o coração e a vida de nossas famílias presentes ou futuras! Provocação positiva!