As Bem-Aventuranças dos Cristãos

Dom Geraldo Majella Agnelo
Cardeal Arcebispo Emérito de Salvador

A partir de hoje e por seis domingos ouviremos uma seção fundamental do evangelho de Mateus: o discurso da montanha, a carta magna do cristão que contem as orientações da nossa vida em Cristo, segundo Cristo.

No domingo passado, o evangelista nos apresentava Jesus como Luz do mundo, como fonte de esperança e de alegria cristã. Hoje ouvimos o Discurso da Montanha. Além de ser a carta magna do cristão, pode ser definido também como manual de vida cristã, e ainda um catecismo de Jesus para os seus discípulos. Podemos dizer que apresenta a vontade definitiva de Deus em relação ao homem, descreve modelos do novo estilo de vida que o Senhor trouxe ao mundo, explica como o cristão deve realizar, no seu agir quotidiano, a lei do amor.

Mateus colocou este discurso de Jesus, utilizando os chamados “ditos do Senhor”: expressões de Jesus que os primeiríssimos cristãos tinham escutado com seus próprios ouvidos, que recordavam e, quando sabiam escrever, copiavam diligentemente, transmitindo depois uns aos outros como tesouros. Hoje escutar essas palavras é como ouvir Jesus vivo e verdadeiro, é aprender o catecismo diretamente dele.

O “Discurso da Montanha” se abre em modo solene, com a proclamação das oito bem-aventuranças: Bem-aventurados os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os puros de coração, os que trabalham pela paz e a justiça.   Jesus convida a ser assim. Aos que aceitam, e escolhem estas árduas situações de vida, faz uma promessa de felicidade: são bem-aventurados, porque deles é o reino dos céus.

Podemos fazer uma primeira constatação. Do ponto de vista humano, a escolha operada por Jesus parece pelo menos estranha. As bem-aventuranças do senso comum, com o espírito do mundo, soariam bem diversamente: Não bem-aventurados os pobres, mas bem-aventurados os ricos! Bem-aventurados os que riem. Bem-aventurados os espertos. Bem-aventurados os prepotentes. Bem-aventurados os que pretendem, pedem e obtêm ”tudo e de imediato”. Bem-aventurados os operadores das guerras que conquistam. Bem-aventurados os violentos e perseguidores dos inocentes.

Essas são as bem-aventuranças do sentido comum, e são bem praticadas. Os resultados estão sob os nossos olhos: a delinqüência, os subornos, a usura, as guerras etc.. Jesus simplesmente inverteu as bem-aventuranças.

Jesus não se limitou a propor as bem-aventuranças aos discípulos, mas ele próprio as viveu por primeiro. Coerentemente. Viveu-as a qualquer custo, até a morte de cruz. Pela sua coerência tornou-se credível, e suas palavras mesmo se descômodas, foram tomadas em consideração. E os cristãos coerentes procuram por sua vez, sob seu exemplo, colocá-las em prática, há dois mil anos.

Jesus, nas bem-aventuranças, propõe situações de destaque, atitudes de generosidade, de empenho, de dedicação. Não nos pede a renúncia ou a passividade, como poderia parecer, mas ao contrário pede uma presença responsável, ativa e construtível. Pede-nos não ser espectadores passíveis, mas operadores! Quer-nos ao trabalho, operadores de misericórdia para com os fracos, operadores de paz entre os que se odeiam e se combatem, operadores pela justiça, empreendedores e incomodados até o ponto de serem perseguidos. Como muitas vezes acontece.

Jesus a seus discípulos que encarnam as bem-aventuranças, prometeu o reino de Deus. Serão consolados, saciados, encontrarão misericórdia, herdarão a terra, verão a Deus, serão chamados filhos de Deus. São expressões usadas por Jesus. Ele oferece globalmente a pertença ao reino, promete ser acolhidos como filhos da parte do Pai.

O reino de Deus é uma realidade curiosa: é projetado para o futuro por Deus, mas começa já agora, conosco, e toma consistência pouco a pouco quando começamos a viver as bem-aventuranças de Jesus. Os cidadãos do reino de Deus, já hoje, são inscritos no reino, são os homens das bem-aventuranças.

Vivendo as bem-aventuranças, nós imitamos Jesus que nos precedeu, que é nosso modelo de vida, o homem novo, modelo da nova humanidade. Assim fazendo, realizamos o plano inicial de Deus criador, de Deus que disse: “Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança”.

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