“É pacífico que o Brasil precisa de energia de qualidade, mas a obra não trará essa energia limpa e barata como diz o governo. Que energia limpa é essa que afetará milhares de famílias, trará doenças, apodrecerá um lago e acabará com o meio de subsistência de tantas pessoas?”. A afirmação é do presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e bispo prelado do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, durante o debate que aconteceu na manhã desta quinta-feira, 8, na Rede Vida de Televisão em Brasília. O debate tratou da construção da Usina de Belo Monte sobre o Rio Xingu, no Pará, e foi organizado pela CNBB, por meio da Comissão Episcopal para a Amazônia em parceria com o CIMI e com a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP).
De acordo com o bispo, não há como se discutir sobre a obra sem se falar antes dos seus reais impactos na sociedade. Dom Erwin relatou que a obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio Xingu vai afetar pelo menos 30 povos indígenas. “Haverá ainda perda de biodiversidade, deslocamento compulsório da população rural e urbana, entre outros aspectos”.
Durante todo o debate, dom Erwin se manteve contrário à obra, como vem fazendo desde que começaram as discussões em torno da construção da hidrelétrica. Ele fez ainda um resgate histórico da luta contra Belo Monte. Para ele, a questão não se refere ao direito da população de ter acesso à energia de qualidade, mas que meios serão empregados para se garantir tal direito. Ele afirmou que o governo omite os pontos negativos e realça os positivos.
“Sou contra o projeto do jeito que foi feito, com autoritarismo e preconizando o discurso desenvolvimentista do governo que só fala das vantagens e nunca das desvantagens que Belo Monte trará. Cerca de 30 mil pessoas serão chutadas de lá e levadas sei lá pra onde. Essa obra vai ser a maior agressão já vista na Amazônia”, declarou.
Já o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, por sua vez, afirmou que o projeto da Usina de Belo Monte sofreu grandes modificações desde sua concepção, na década de 1980. Segundo ele, a construção de seis usinas no local foi abortada. “O setor abdicou de cinco usinas que vão fazer muita falta, mas foi uma decisão em prol do meio ambiente”, disse.
Fazendo uma comparação com outras formas de energia, ele considerou também o lado econômico e ressaltou que a produção de energia a partir de Belo Monte vai ser praticamente a metade do verificado em outras formas de geração. “No caso de Belo Monte, o custo seria de R$ 83,00 por megawatt/hora (MWh) contra R$ 145,00 de termoelétricas e de R$ 145,00 a R$ 150,00 da energia nuclear”. Ele sublinhou também que a energia produzida a partir de hidrelétricas pode receber complementos de energia eólica e da gerada a partir do bagaço de cana-de-açúcar.
Alagamentos
Sobre a degradação ambiental, ele defendeu que a Usina de Belo Monte vai alagar 10 vezes menos do que a média brasileira. “Para cada MW de energia gerado no país, há um alagamento de áreas de 0,5 quilômetros quadrados, em média. No caso de Belo Monte, esse alagamento corresponderia a 0,05 quilômetros quadrados. São 10 vezes menos que a média nacional. Uma relação excepcionalmente baixa”, considerou.
Tolmasquim disse ainda que o empreendedor que ganhar o leilão deverá investir R$ 3 bilhões em atividades voltadas para a preservação do meio ambiente e para dar condições sociais à população local. Além disso, o imposto a ser arrecadado pela usina é 19 vezes maior, segundo ele, do que todos os recursos gerados pelo Estado. “Abrir mão desses recursos é uma coisa que não dá para entender”, completou.
Para o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Hernandez, que também participou do debate, o tema é polêmico porque trata-se da 3ª maior usina hidrelétrica do mundo, ficando atrás apenas de Três Gargantas, na China; e Itaipu. Ele declarou que várias lacunas graves fizeram ele chegar à conclusão de que Belo Monte é um projeto inviável e deve ser abandonado. “Como engenheiro eletricista reconheço a importância da geração de energia, mas sou contra a usina porque sei dos impactos desastrosos que ela trará”, afirmou. Ele também demonstrou preocupação com a redução de três quartos no volume de águas da chamada Volta Grande do Xingu e com o alagamento de áreas num total de 516 quilômetros. “Esse é um projeto sem precedentes, com desvio de 100 a 120 quilômetros do leito original do Rio Xingu, o que prejudica populações locais”, disse. A licitação do projeto da usina de Belo Monte está prevista para o próximo dia 20.
Compuseram a mesa, o presidente do Cimi e bispo da Prelazia do Xingu, dom Erwin Kräutler, o pesquisador de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Hernandez; o diretor de Licenciamento do Ibama, Pedro Alberto Bignelli; e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. O debate foi mediado pelo jornalista Beto Almeida e transmitido ao vivo pela Rede Vida de Televisão.