Bem-aventurados no cotidiano!

Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)

 

 

A Palavra de Deus que nos é proposta no 6º. Domingo do Tempo Comum leva-nos a refletir sobre o protagonismo que Deus e as suas propostas têm na nossa existência. O Cristo Ressuscitado nos alimenta com sua vida e sua esperança e nos mostra o caminho das bem-aventuranças como modelo e proposta de um novo jeito de viver para segui-Lo e anunciá-Lo ao mundo. Pelas bem-aventuranças, somos introduzidos na criatividade de um amor que não conhece fronteiras.

A primeira leitura(Jr 17,5-8) põe frente a frente a autossuficiência daqueles que prescindem de Deus e escolhem viver à margem das suas propostas, com a atitude dos que escolhem confiar em Deus e entregar-se nas suas mãos. O profeta Jeremias avisa que prescindir de Deus é percorrer um caminho de morte e renunciar à felicidade e à vida plenas. A bênção de Deus nasce da confiança nele e acompanha um projeto de vida em harmonia com seu coração. Quem confia em Deus é como árvore à beira da água: verde e viçosa, sempre em condição de produzir muitos e bons frutos. Há, portanto, duas propostas: a dos que põem sua confiança em Deus e a daqueles que a depositam somente nas pessoas e nas coisas passageiras.

O Evangelho(Lc 6,17.20-26) proclama “felizes” esses que constroem a sua vida à luz dos valores propostos por Deus e infelizes os que preferem o egoísmo, o orgulho e a autossuficiência. Sugere que os preferidos de Deus são os que vivem na simplicidade, na humildade e na debilidade, mesmo que, à luz dos critérios do mundo, eles sejam desgraçados, marginais, incapazes de fazer ouvir a sua voz diante do trono dos poderosos que presidem aos destinos do mundo. Estamos diante do Sermão da “Planície”. Esse conjunto de ensinamentos é introduzido pelas bem-aventuranças: Jesus apresenta o “programa de vida” de quem se faz discípulo seu, e o discípulo deve pautar a sua vida por tal programa. O sermão de São Lucas acontece na planície. Assim, para esse Evangelista, a vivência da fé e o anúncio do Reino acontecem nas realidades corriqueiras da vida humana, marcada por alegrias e tristezas, angústias e esperanças. A fé não é uma mera abstração ou realidade intimista que se passa nas “alturas”. No cenário humano em que vivemos, o cristão é convidado por Deus a testemunhar a sua fé, fazendo todo o possível para viver como um bem-aventurado e trilhando assim os caminhos para viver a felicidade na presença de Deus. Uma particularidade deste Sermão é o fato de serem apresentadas as bem-aventuranças em contraponto com os “ais”. Essa contraposição esclarece que a proposta de vida se deve assumir para conformar à vontade de Deus e o que o discípulo deve evitar para ser fiel ao Mestre. Não basta fazer o bem, é preciso ter coragem de se contrapor ao mal que se manifesta no mundo, iluminando as muitas realidades nas quais nos encontramos.

A segunda leitura(1Cor 15,12.16-20), falando da nossa ressurreição – consequência da ressurreição de Cristo –, sugere que a nossa vida não pode ser lida exclusivamente à luz dos critérios deste mundo: ela atinge o seu sentido pleno e total quando, pela ressurreição, desabrocharmos para o Homem Novo. Ora, isso só acontecerá se não nos conformarmos com a lógica deste mundo, mas apontarmos a nossa existência para Deus e para a vida plena que Ele tem para nós. Na  comunidade de Corinto, havia muitos que não acreditavam na ressurreição. São Paulo procura mostrar que a ressurreição de Cristo é o centro e o fundamento da nossa fé e o que dá sentido à nossa vida. Se dizermos que não há ressurreição, não acreditamos, portanto, que Cristo ressuscitou; e se ele não ressuscitou, nossa fé de nada serve.

No Reino anunciado por Jesus, não haverá ricos e pobres, pois todos partilharão tudo. Isso significa fazer justiça, pois cada um receberá o que lhe for devido; ou seja, aquilo de que necessitar para ter uma vida com dignidade, livre do acúmulo. Todos os seguidores de Jesus são convidados a dar a sua contribuição para tornar esse Reino uma realidade em nossa sociedade. O Evangelho propõe que as bem-aventuranças sejam vividas por todos já no presente, a começar de nós, discípulos e discípulas de Jesus.

O Papa Francisco nos lembra que as bem-aventuranças são “um caminho pascal que leva de uma vida segundo o mundo para a vida segundo Deus; de uma existência guiada pela carne, ou seja, pelo egoísmo, para uma existência guiada pelo Espírito Santo. Qualquer um que demonstre que a vida pode ser cumprida no dom e na renúncia se torna um incômodo para o sistema”. Sejamos bem-aventurados! Vivamos as bem-aventuranças!

 

 

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