O bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom José Valdeci Santos Mendes, promoveu ainda neste ano, durante o processo de escuta do Sínodo para a Amazônia, dois encontros voltados para populações tradicionais da região. Em uma primeira oportunidade, reuniu pescadores do Amapá, Pará e Maranhão para estudarem o documento preparatório e responder ao questionário do Sínodo. Depois, incentivou grupos quilombolas do Maranhão a também contribuírem para as reflexões do Sínodo, cujo tema é “Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.
Agora, faltando três dias para a finalização do Sínodo Especial para a Amazônia, com data marcada para o dia 27, no domingo, dom José Valdeci – padre sinodal – fala sobre suas impressões em torno da repercussão do evento e sobre sua expectativa com relação ao documento final da Assembleia. “Para nós o documento final deveria trazer muito forte o empenho pela defesa do território dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e eu diria junto a isso também o diálogo ecumênico, inter-religioso e que nos leva a esse respeito, a esse compromisso diante dos povos indígenas, diante das comunidades tradicionais”, disse.
Confira a entrevista na íntegra:
Como o senhor viu toda a repercussão em torno do Sínodo?
Nós já estamos participando da terceira semana dessa Assembleia Especial do Sínodo para a Amazônia que traz o tema ”Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Como nós sabemos este sínodo é um processo que começou no do dia 15 de outubro de 2017, quando o papa Francisco anunciou a convocação de um Sínodo Especial e depois oficialmente na região da Amazônia. Então, no dia 19 de janeiro de 2018 ele anunciou oficialmente este Sínodo e é claro, desde o processo inicial, a gente já ouviu críticas em relação, por exemplo, ao instrumento de consulta, o Instrumentum Laboris, que é exatamente aquilo que nos serve como base para a nossa assembleia, então são muitas críticas que houve, que estão havendo.
E é claro críticas que nos ajudaram também a aprofundar o tema, a buscarmos novos caminhos, mas também tantas “fake news” que apareceram e que aparecem ao longo dessa história, então o Sínodo acontece justamente em meio a essas críticas, mas acho que uma coisa é fundamental para todos nós que é exatamente essa busca de novos caminhos para Igreja e para uma ecologia integral e eu diria que de uma certa forma está sendo muito positivo essa assembleia em partilhar conhecimentos, as intervenções, os círculos menores, então tudo isso tem nos ajudado a perceber a necessidade de uma reflexão bem madura, bem mais profunda em relação à Amazônia.
Essa repercussão, negativa ou positiva, interferiu de alguma forma no Sínodo?
A gente poderia se perguntar se essas “fake news” e tudo isso que está acontecendo está influenciando a assembleia do Sínodo, eu diria que de uma certa forma não, porque o Sínodo como eu dizia é um processo e é claro que dentro desse processo, dentro dessas escutas e percebendo as próprias críticas, os padres sinodais, as auditoras foram tomando a compreensão da importância desse Sínodo, e eu diria que todas essas influências, essas críticas que vem de fora eu diria que de certa forma não mudam o pensamento, não mudam a nossa maneira de refletir e de estar encaminhando esse Sínodo.
Qual ponto positivo nesse Sínodo o senhor poderia destacar e qual desafio lhe chamou atenção?
Eu diria que de uma certa forma, claro, nós que viemos da Amazônia, da Amazônia Legal, nós temos uma visão dos desafios, dos problemas, das dificuldades que nós enfrentamos e por isso, claro, a gente cada vez mais tem essa convicção da importância de fundamentar sempre mais essas questões que são desafios na Amazônia. Por outro lado, a gente se depara também com pessoas que estão participando que não tem essa visão, então nesse sentido há uma certa dificuldade na comunhão de pensamentos, na partilha, na maneira de buscarmos novos caminhos a partir de uma experiência de comunhão e de um pensamento mais numa linha de convergência, talvez é uma das dificuldades.
Eu destacaria na assembleia a participação dos auditores e auditoras, principalmente a dos povos indígenas, das mulheres que trazem toda essa realidade dos desafios que se encontra na Amazônia, na Pan-Amazônia e isso, claro, que nos leva também como padres sinodais a nos abrirmos para esta realidade que é constante e que é manifestada por pessoas que realmente estão vivenciando no dia a dia estes grandes desafios, então eu diria que isso é uma riqueza imensa também para todos nós que estamos participando dessa assembleia e, nesse sentido, também acho que vai nos ajudar nesta compreensão cada vez mais a caminhar naquilo que é proposto pelo papa Francisco que é a sinodalidade, então acho que essa sinodalidade e este caminhar junto está nos ajudando a descobrirmos as necessidades que nós enfrentamos na região Pan-Amazônica, a necessidade com o território, com o compromisso com a defesa da vida e de toda a criação.
O compromisso eu diria na perspectiva dos desafios pastorais, dos novos ministérios que devem estar presentes também nesta caminhada, então eu acho que isso desperta em nós para essa sinodalidade, para esse compromisso de caminharmos juntos e para cada vez mais descobrirmos essa necessidade do povo no campo social, mas também no campo eclesial que nos desafia e que nos ajuda também a buscarmos novos caminhos e descobrirmos novas formas de dar assistência no meio do nosso povo.
Qual é a sua expectativa para o documento final? O que não pode faltar nesse texto?
Para nós o documento final deveria trazer muito forte o empenho pela defesa do território dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e eu diria junto a isso também o diálogo ecumênico, um diálogo inter-religioso e que nos leva a esse respeito, a esse compromisso diante dos povos indígenas, diante das comunidades tradicionais, então acho que nesse sentido é importante o nosso empenho como Igreja em relação aos territórios das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e essa abertura para o conhecimento da cultura para poder dialogarmos sempre mais com este povo que está na Amazônia e na Pan-Amazônia, então isso é mais importante para nós.
E eu diria também que é muito importante termos a clareza do compromisso que nós devemos assumir como Igreja, como povo de Deus, devemos ter essa disposição, esse compromisso e essa sensibilidade também para aprender com as comunidades tradicionais, com os povos indígenas que tem muito a nos ensinar, então para nós eu diria que a importância, a expectativa nossa é que de fato esse documento nos ajude a caminhar na Pan-Amazônia e que seja também uma abertura para o mundo para percebemos a importância das culturas, sermos, levarmos, anunciarmos a boa nova, anunciarmos o Evangelho nesse sentido, sabendo que a semente do Verbo, a presença de Deus já é constante no meio desses povos, no meio dessas culturas que só enriquecem também a nossa caminhada como Igreja, como povo de Deus.
Com a graça de Deus queremos ser cada vez mais uma Igreja ativa, que testemunha e que procura vivenciar a palavra de Deus nessa sensibilidade de ouvir as culturas, de ouvir os povos tradicionais que tem muito a nos ensinar também nesta caminhada, nesta missão, então queremos pedir a Deus para que nos ajude, para que de fato possamos como igreja, como povo de Deus, nos compreendermos com a vida. Jesus dizia: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”. É essa vida que devemos zelar, a vida humana, a vida de toda a criação que é a Casa Comum, para que tenhamos um mundo mais justo, mais fraterno e um compromisso com a ecologia integral.