É tradição comentarem em nossa região de Belém, que o Pará tem dois natais e que o Círio é o primeiro (ou segundo) Natal. Creio que o Natal é um tempo muito especial quando celebramos o Nascimento do Verbo, o grande Mistério da Encarnação! Aproveitando a época da estação do ano em algumas regiões do mundo, poderíamos chamar também esse tempo da celebração da primavera paraense, sendo Maria a bela flor de quem nasceu o Salvador do mundo, Jesus Cristo!
É significativo que na época do Círio nós nos cumprimentamos (pelos menos a maioria) desejando-nos mutuamente um “Feliz Círio” e com isso vão as intenções das mega celebrações que acontecem na época, o encontro com os familiares e amigos, as tradições culinárias próprias, a cultura paraense vibrando com esse acontecimento. É uma bela maneira de cultivar uma tradição cultural e religiosa que marca a nossa vida e cidade. É notório que o Círio contagia a todos, claro que cada um a seu modo, fazendo parte de nosso “jeito de ser”.
Reflito sobre isso neste tempo de proximidade do Natal para ver outra tradição cultural sendo “afogada” pela pós- modernidade e pela falta de aceitação do “sagrado”. Eu me refiro à maneira como estamos recebendo os cumprimentos no final de ano. Em geral continuam vindo os votos de “Feliz Natal e Próspero Ano Novo” com as suas possíveis mudanças e adaptações, e algumas mudanças são interessantes para nossa reflexão.
Creio que você também já recebeu os votos de “Boas Festas e Feliz 2009”. Essa frase, no passado costumava ser para aqueles que enviavam os seus cartões com atraso e sabiam que eles não chegariam a tempo do Natal. Hoje não é mais assim; já com muita antecedência recebemos os cumprimentos de final de ano, porém com a omissão do Natal.
Isso demonstra certa tradição cultural que começa a se impor entre nós e que tem muito a ver com a laicização de nossa sociedade. Há em curso um movimento de excluir toda manifestação religiosa de nosso povo do âmbito social para reduzi-lo (por enquanto) ao nível pessoal, além desse anti-cristianismo que tem aparecido em geral pela mídia e em outras manifestações.
O dia exato do nascimento de Jesus não consta das Escrituras e quando se tratou de comemorá-lo foi escolhido um dia que concentrava muita gente na antiga capital do império romano que comemorava o “dia do sol invicto”, transformando-o no dia que nasceu a verdadeira luz da humanidade – Jesus Cristo!
A festa cristã prevaleceu na cultura romana e ocidental até os dias de hoje, quando essa data sempre nos recordou liturgicamente a festa do Mistério da Encarnação.
Porém, já há alguns anos temos visto que outra figura vai ocupando no Natal um lugar que não é seu, mas que serve para o consumismo e para aumentar as vendas, resolvendo assim as crises financeiras que sempre rondam o mercado e levando o povo a viver a partir daí as suas crises de fluxo de caixa para pagar as prestações contraídas nessa época.
Não bastasse que a “imitação (ou falsificação) americana” de São Nicolau fosse assumindo como figura principal do Natal, nós vemos aos poucos que também os cumprimentos natalinos vão sumindo de nossa tradição cultural desta época. Começamos a ver o reverso daquilo que os primeiros cristãos fizeram na antiga Roma quando iniciaram a celebrar o nascimento de Jesus no dia 25 de Dezembro.
Uma tradição cultural se impõe quando aos poucos ela se torna majoritária e começa a ser um jeito de ser de um povo. As festas natalinas estão cheias de símbolos e sinais, muitos deles sem significado para nós, como é o caso da “neve”, que até para parecer natal enfeitam nossa cidade tão quente com algodão para lembrar a neve, que nunca foi nossa paisagem, com gente que se reúne em torno de um “velhinho” muito agasalhado com roupas de lãs.
Agora, o outro indício são os cartões que chegam sem mencionar o Natal como importante em final de ano e em nossa vida. Claro que podem argumentar que Boas Festas podem supor também os cumprimentos natalinos – concordo que possa, mas a omissão da palavra Natal irá aos poucos colocar em desuso essa tradição. Não sei se isso será melhor ou pior para que celebremos bem a festa cristã em nossas comunidades. Mas se pensarmos que a fé que não se faz cultura não é plenamente vivida e anunciada, como lembrou João Paulo II, isso nos faz pensar.
Mas esses indícios podem encontrar outras tradições que nos ajudem a viver realmente o Natal como festa cristã que celebre realmente o Mistério da Encarnação e que dê sentido às festas do final de ano e ilumine os dias do ano vindouro. Basta tomarmos como exemplo a época do Círio: ali persistem as nossas tradições culturais e religiosas mesmo com todas as contradições que temos. Parece que agora no Natal estamos nos esquecendo do principal foco do “por que” comemoramos e vivemos esse tempo.
O Advento é o tempo de preparação para celebrarmos bem o Natal que foi engolido pela maneira de pensar e fazer a propaganda atual, mas subsiste em nossas comunidades, suscitando no coração de cada pessoa o grito de “vem, Senhor Jesus, vem nos salvar”. Creio que é um bom momento de nossas comunidades darem esse testemunho de vigilância e espera e também demonstrar o verdadeiro sentido do Natal para o homem de hoje.